A Causa da Catástrofe
Do entendimento natural da tragédia
Lendo a respeito da experiência de William James com o terremoto de São Francisco de 1906, apercebi-me do quão nefasta pode ser essa mentalidade antrópica para descrever as causas de -todos- os desastres naturais. O professor Olavo já denunciava a impossibilidade de esse exagero, que vai ao nível geológico mais extenso, corresponder à verdade dos fatos, assim como alertava para o espírito que o alimenta: um tipo de antropoteísmo para o qual não há nada além de mundo material e de coevolução homem-mundo.
Nesse meandro, obstrui-se ou corrompe-se o curso natural do pensamento humano, que o conforta ou consola e o instrui a um só tempo. Já não é mais intuitivo, e eu o percebi fortemente nas duas enchentes cataclísmicas que se abateram sobre minha região em 2023, entender que insta nos desastres algo das “sabedorias do clima”, como diriam nossos colonos alemães de antanho, que são, n’última instância, permissões ou intenções divinas em resposta a certos tipos de transgressão moral e sacrílega, que redundam em culpa coletiva quando das profanações e declinações gerais de um povo. Uma visão tal das coisas, que é de natureza arquetípica, ou mítica, corresponde ao sentimento saudável e equilibrado do indivíduo no mundo: um vermezinho minúsculo, que não pode ser a causa material última e determinante de todas as intempéries que se abatem sobre ele, enquanto é semente de Adão, coroa da Criação, e causa imaterial ou moral dessas mesmas intempéries, segundo suas violações obstinadas à Lei Natural e à Têmis, a Ordem Cósmica, que são segundo a Vontade de Deus. Note, todavia, que por causa imaterial não me refiro, se me permitem a temerária licença filosófica, à causa material (a Criação), nem à causa eficiente (Deus faz) ou final (Deus quer), mas à causa formal (o Pecado suscita).
Percebo agora, melhor que nunca, quão inevitáveis eram as versões mitológicas, dadas anteriormente pelos homens, de catástrofes como essa; e quão artificiais e na contramão de nossa percepção espontânea são os hábitos posteriores nos quais a ciência nos educa. Era simplesmente impossível para homens sem instrução assumir os terremotos em suas mentes como sendo outra coisa que não alertas sobrenaturais ou castigos. — James, citado por Ellenberger, A Descoberta do Inconsciente, p. 701
Textos de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicados em meu perfil pessoal do facebook em 26 de janeiro de 2024.