A Grandeza das Pequenas Belezas

a respeito da contemplação

Natanael Pedro Castoldi
3 min readSep 24, 2021

Primavera. A palavra em si, bela por natureza, é farta de significado e evoca em nossos corações toda uma série de memórias, de cores, de aromas e de frescores. Os antigos habitantes do extremo norte da Europa se maravilhavam com o que acontecia após o primeiro sol primaveril derreter a neve do inverno: flores de todas as cores saltavam da terra, como que cheias de expectativa para nascer, e gramas novas logo despontavam nas poças de gelo derretido. O evento era tão marcante que eles chegaram a pensá-lo como sobrenatural. Apesar de hoje sabermos melhor a respeito do funcionamento da natureza, continuamos nos impressionando — um anseio profundo por beleza, um assombro espiritual diante do milagre da vida, algo brota dentro de nós quando a primavera nasce ao redor. Nesse ano, a primavera está iniciando de maneira especialmente florida. Após o espetáculo dos ipês, vieram as orquídeas e, agora, flores de todos os tipos encontraram espaço até nas menores frestas nas calçadas. As mais bonitas, sempre abundantes, são as mais pequenas, aquelas que não vemos, embora nelas pisemos, já sempre estamos correndo para “ganhar a vida”.

Há alguns anos, o escritor britânico G. K. Chesterton me ensinou que as maiores belezas nos são dadas de graça, desde a pessoa amada até a ave de canto na árvore acima. São dádivas, presentes que nos aparecem pelo caminho e que podemos escolher acolher em nós ou ignorar. A pessoa amada nos chega uma vez e, mesmo tendo-a para sempre, podemos nos permitir encantar por ela todos os dias. Aquele pássaro colorido nos aparece numa ocasião só e o perderemos para sempre se não o contemplarmos um pouco mais. E a florzinha azulada que decidiu aparecer no meio-fio? Ela está ali — se eu não percebê-la, algo de belo terá sido desperdiçado, pois não pôde impressionar a ninguém. Na verdade, é pelo caminho da vida, indo em direção a outros lugares e propósitos, que as maiores riquezas nos são dadas. Mas nós, que sempre queremos ir direto aos fins, deixamos de receber as flores, as aves e as pessoas que se nos vêm sem custo, para, pelo excesso de trabalho, comprarmos flores, engaiolarmos pássaros e conquistarmos quem quererá o que tivermos mais do que a nós mesmos.

É pelo caminho da vida, indo em direção a outros lugares e propósitos, que as maiores riquezas nos são dadas

Há de fato um vício na alma do homem ocidental de nosso tempo. Ele pensa que precisa ter para si tudo aquilo que lhe agrada. Por isso a casa desse homem é um cemitério de coisas sem uso. Tenho, contudo, descoberto que o que há de mais belo e aprazível é aquilo sobre o qual não tenho total controle, que tem sua individualidade e que será destruído se eu tentar dominar por completo. Não é o mundo inteiro um jardim cheio de flores e de aves? Deus as vestiu e as alimentou uma por uma, para Seu deleite (Gn 1:31) e para nos deixar admirados. Estão ali, de graça, basta que eu as veja para que, boquiaberto, exulte de gratidão ao Criador, digno de ser louvado. Esse é, caros leitores, o desafio que lhes lanço para essa primavera: “Olhem os lírios do campo […] nem Salomão em toda a sua glória se vestiu tão bem como eles” — Lc 12:27

(Natanael Castoldi — Psicoterapeuta)

JESUS, A OPÇÃO DA VIDA!

Crônica publicada ao final de setembro (2021) no Jornal Opinião, Encantado/RS

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Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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