A Instrução do Homem Espiritual

Sobre a tragédia da invasão ideológica nas igrejas

Natanael Pedro Castoldi
3 min readMay 28, 2024

Em vista do estudo hoje publicado por aqui, a passagem de 1 Coríntios 2:15 (“… a pessoa espiritual julga todas as coisas, mas ela não é julgada por ninguém”) ganha um vulto especial. Ela significa, simplesmente, que é imprudente ao homem espiritual, que é o homem perfeito (iniciado nos mistérios de Deus), procurar instrução e conselho nos homens naturais, que nada podem ver espiritualmente, senão apenas psiquicamente. Existe uma disposição, de certa maneira, ontológica nessa fórmula: o homem espiritual, pela revelação dos mistérios de Deus através do Espírito Santo, consegue apreender e julgar (examinar) todas as coisas e tudo quanto seja natural, porque o vê de um ponto mais elevado e pode concebê-lo tal como reside na mente (Nous) do Senhor; o homem natural, todavia, uma vez imerso no Kosmos, na “anima do Mundo”, é incapaz de apreender e julgar (examinar) o que quer que seja em sua intimidade criatural, segundo os pensamentos do Senhor, e não possui meios de entender o homem espiritual, de vê-lo tal como ele é e de discernir aquilo que ele discerne, porque nada vê espiritualmente — embora o inverso, como dito, seja verdadeiro. A premissa paulina é simples: o homem só pensa, entende e deseja aquilo que ele conhece e, por natureza, o homem só conhece aquilo que é natural, ou anímico, e se vem a conhecer aquilo que é espiritual, intelectivo ou noético, já não é mais natural, mas espiritual, e se é espiritual, foi nascido não de si mesmo, mas necessariamente de Deus e por arbítrio divino — o Senhor precisa ter operado diretamente sobre ele.

… se munem de toda uma parafernalha hermenêutica para deixarem de discernir segundo a mente de Cristo…

Essa realidade constrange os cristãos com o imperativo da rejeição da “sabedoria dos homens” enquanto mestra ou régua da fé e do entendimento do Mundo. Uma vez tendo sido revelado o Eschatos, o Cristo, o Mistério de Deus, tudo aquilo que se tentou dizer a respeito do Mundo durante o tempo da ignorância é, no máximo, sombra da Verdade e, ao fim e ao cabo, não muito mais do que vaidade, e tudo o que foi dito de verdadeiro após a revelação do Eschatos, sempre culminou na Sua afirmação. Esse é um alerta para a sede filodoxa dos crentes “inteligentinhos” e “academizados”, que muito têm extrapolado os limites do aceitável na sua procura, entre os “dominadores deste Mundo” (aos quais atravessam as principais narrativas e “sabedorias” mundanas), do entendimento das coisas e das profundezas de Deus — se munem, assim, de toda uma parafernalha hermenêutica, crítica, e de uma miríade de filosofias, de teorias e de paradigmas das diversas “ciências especiais”, para deixarem de discernir segundo a mente de Cristo, já que informam (ou deformam) as “coisas espirituais” com “sabedoria” terrena e, dessa maneira, invertem a ordem supracitada, que ora repito: Deus, que é Espírito, não é por ninguém instruído, mas instrui aos homens espirituais, que a Deus não podem instruir, mas aos homens naturais sim, enquanto estes, por sua natureza terrena, são incapazes de instruir aos espirituais. Os inversores, que rejeitam a fonte supranatural do entendimento das “coisas espirituais”, devem ser eles mesmos homens naturais, invasores do Santuário para destinar a Casa de Deus aos seus próprios interesses — sobretudo aos interesses militantes, que são materialistas. Isso os estabelece como filisteus amigos de filisteus, e eles têm aberto as portas do Santuário para uma horda barbárica e sacrílega, que nele está se assentando na condição de mestra da igreja.

Quando têm alguma coisa contra outro cristão esperam que seja um tribunal secular a decidir a questão, em vez de a resolverem entre crentes? Não sabem que nós, os cristãos, haveremos de julgar o mundo? — 1 Co 6:1–2

Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 18 de setembro de 2023.

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Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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