Cristo — Verbo de Deus
A Volta de Jesus e o símbolo cosmogônico
A Primeira Epístola de João tem me impressionado sobremaneira. No mesmo capítulo, o terceiro, sobre o qual escrevi recentemente, e na sequência do segundo versículo (“quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos”), há a intrigante menção à “Semente Divina”, que permanece no crente que se mantem alinhado à Justiça de Deus (Dike), por meio da qual se conserva purificado (consagrado, separado para a Sua Vinda). Essa “Semente Divina” está associada ao recorrente uso de “Filhos de Deus” pelo evangelista — porque, segundo se pensava no popularesco, o filho era herdeiro da natureza de seu pai, e o Filho de Deus será justo e santo como Cristo é justo e santo, contrariamente aos “filhos do Diabo”, que procedem (arché) de Satanás, ou vivem pecando. Conforme os comentaristas, essa Semente (Sperma) era de fato a inseminação da natureza divina no crente, quando gerado Filho de Deus, e viria como o gérmen da verdadeira forma do homem, quando sua condição de Filho de Deus assumir a plenitude, à semelhança do Corpo Glorioso de Cristo, as Primícias. Pode-se conceber essa Semente Divina como a habitação do Espírito Santo no espírito do homem, reabilitando-o espiritualmente, donde a sua capacitação de começar a conhecer a Deus por meio de “visão espiritual”, que é operação do Intelecto.
Essa Palavra, na tradição judaica, é a base infraestrutural da Criação
No Antigo Testamento, o depósito firme da Palavra no coração do fiel é recorrentemente associado à sua capacidade, pelo conhecimento da vontade de Deus, de combater o pecado pela prática da justiça divina. Essa Palavra, na tradição judaica, é a base infraestrutural da Criação, arquitetada pela Sabedoria, que o evangelista João, no Evangelho de João, mostra ser o Cristo, chamado de Verbo de Deus e Luz. Essa passagem (1:1–3) tem alto teor cosmogônico, refletindo a visão tradicional da Criação como infusão da Luz, que é Verbo Divino, no Oceano Primordial, ou no Abismo Vazio, pela qual o Criador infunde ou informa a matéria disforme, o Caos, nos levando à antiga imagem da Criação como dissipação das Trevas pelo resplendor da Luz do Verbo, dissipação essa que revela ou manifesta as formas visíveis de todas as criaturas, como que “descobertas”, via iluminação, de seu véu oceânico. É possível associar a Semente Divina à cosmogonia: o Verbo de Deus, o Cristo, ou o Eschatos, vem habitar, como Semente, o coração do homem, iluminando as trevas espirituais e soltando as escamas dos olhos, para que veja a Verdade, conhecendo-O. A Semente está naquele que tem a “Mente de Cristo”.
A Vinda de Jesus, na Nuvem de Glória, como a chegada do Sol do Meio-Dia, é uma repetição da cosmogonia, em vista da Nova Criação. Nesse momento, todos os elementos da Velha Criação serão dissipados como sendo Trevas e Caos, lançados no Abismo e no Lago de Fogo, e tudo quando pertença à Nova Criação, tendo sido iluminado e resistindo, por semelhança de natureza, à Glória de Deus, será como que emergido do Oceano — as vestes perecíveis cairão, abrasadas e derretidas, e a forma verdadeira das criaturas de Deus será revelada. E os santos de Deus, no instante da Vinda na Nuvem, naquele “átomo”, terão seu corpo mortal dissolvido desde dentro pela eclosão da Semente, e suas peles mortais serão como que despidas, dando lugar às vestes de glória. Doutro modo: o corpo mortal, semente do Corpo da Ressurreição, será desfeito, dissipado como sombra pela “explosão” da Semente Divina, o Verbo, assim no Céu, também na Terra.
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 26 de Agosto de 2023.