De Como o Cérebro Individual Terceiriza as Funções Superiores
Um insight em psicologia de massas e cultura contemporânea
Citado por Chaij (Exploring the World of Psychic Powers), Dr. Franz Volgyesi diz, ao redor do tema da hipnose, que “a função da região frontal cerebral da pessoa hipnotizada é suspensa e sua consciência individual e força de vontade cedem lugar às da região frontal do cérebro do hipnotizador.” Isto é: o cérebro do hipnotizado delega para o cérebro do hipnotizador as funções superiores, ligadas à vontade e ao juízo crítico. Impressionou-me muito tal entendimento, remetido que fui ao que disse Trigant Burrow a respeito do cérebro como o único órgão humano que tem por função a conexão com o par [o cérebro] que jaz no interior da outra pessoa. Talvez daí a capacidade exclusivamente humana, entre os animais superiores, de conformar-se em colmeia e em multidão.
O conceito de Jonathan Haidt do “cérebro-colmeia” não deve ser divisado como uma mera metáfora. Porque há mesmo uma espécie de cérebro coletivo na multidão, tal como demonstrado por James Surowiecki. Fica parecendo que em momentos de elevada excitação nervosa, como invariavelmente acontece no contexto da massa em multidão, o cérebro individual está programado para desligar-se parcialmente, rebaixando a atividade de suas funções superiores. Isso significa, nos termos de Volgyesi, que o cérebro individual delegará uma porção de sua atividade para o cérebro do rebanho — justamente aquelas partes que melhor caracterizam o senso de consciência pessoal. Em termos coletivos, todos os cérebros individuais parece que se sintonizam e se amalgamam num todo que é eminentemente impessoal e emocional, obcecado por comandos simples, demarcados nas bandeiras e nas palavras de ordem. Havendo uma liderança clara, cabe ao seu cérebro o exercício das funções superiores, como guia do cérebro coletivo.
… o cérebro individual delegará uma porção de sua atividade para o cérebro do rebanho…
Provavelmente, em certa medida e dadas as proporções, essa relativa redução das funções superiores, tão presente nos vícios e necessariamente vigorosa em cenários descivilizacionais, nos quais a preferência temporal é elevadíssima, aparecerá em todo o tribalismo de tipo afetivo e identitário, quando o indivíduo se põe a guiar pelo sistema de valores da ideologia compartilhada e se dá a consumir os produtos e s se portar segundo os trejeitos que caracterizam o seu subgrupo. O homem médio, igualmente, em nosso aceleradíssimo ritmo temporal e segundo o frenesi da lógica de consumo, tenderá a uma relativa despersonalização em favor do fluxo do cérebro coletivo — isto é: rebaixado em suas faculdades racionais e de juízo crítico, mimetizará os modismos tão rapidamente quanto for possível, daí a qualidade viral e efêmera desses objetos de interesse massivo.
Dirá Daniel Goleman que a atividade do “cérebro superior” é muito mais onerosa, exaustiva mesmo, do que aquelas do “cérebro inferior”, e como nosso organismo é uma verdadeira máquina de gerenciamento energético, a oportunidade de desligamento parcial do “cérebro superior” tenderá sempre a ser aproveitada. O campo da massificação pública e das multidões, assim como o da tentadora oferta de um líder ou de uma autoridade “pensante”, são oportunidades de “repouso” quase irrecusáveis.
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 26 de julho de 2024.