Dos Mistérios Cristãos
Uma breve leitura
Atraiu-me a atenção o significado do verbete Símbolo da Enciclipédia de Diderot e d’Alembert, de 1780, conforme citação de René Alleau (A Ciência dos Símbolos):
Mistério de que se fala nos símbolos dos cristãos […]. Os segredos da religião eram designados por mistérios (no paganismo), não porque fossem incompreensíveis, nem situados demasiado acima da razão, mas apenas porque se encontravam encobertos e disfarçados em tipos e figuras, a fim de provocar a veneração dos povos, graças a tal obscuridade. […] A palavra ‘mistério’ designa também ‘sacramento’, ‘figura’, ‘sinal’.
Ao que conclui Alleau:
… a acreditarmos no autor do artigo, o mistério designa sempre, na Escritura, uma ‘sentença parabólica’ que apresenta ‘um sentido oculto’, uma ação mística, que serve de figura e representação a uma outra. — p. 27
Símbolos, por conseguinte, teriam por matriz o Mistério…
Símbolos, por conseguinte, teriam por matriz o Mistério, que é sempre associado à religião — nas mais primitivas, o núcleo compacto de toda a vida social. Os Símbolos seriam, pois, a expressão ou a linguagem natural ou mais apropriada para o Mistério, que é o conteúdo íntimo da tradição sagrada e que assume, portanto, uma face dupla, assim como o Divino: deve ocultar-se e revelar-se num mesmo ato. Daí textos antigos, uma vez que raramente são lidos com os olhos dos iniciados (sobretudo quando respectivos cultos já morreram), serem considerados surreais, estranhos, sobremodo ilógicos (ou estranha e enganosamente óbvios e superficiais) — o Símbolo, na medida em que serve para conservar o Mistério, existe exatamente para isso: confundir, atordoar ou trapacear o estrangeiro. Daí o seu significado, conquanto tenha algo de universal (Lua, Sol, Serpente… são símbolos associados a certos conteúdos coincidentes no mundo inteiro [talvez por difusão cultural]), ser sobremodo convencional, ou críptico: deve-se ter sido instruído em secreto nos Mistérios para entender e reconhecer os Símbolos que lhes correspondem.
… conservados por detrás de Símbolos, cuja leitura está reservada aos iniciados.
Isso quer dizer, ao fim e ao cabo, que os Mistérios, inclusive os Mistérios da Fé, não são inapreensíveis — o sentido de serem chamados Mistérios está precisamente na ideia de jazerem guardados, conservados por detrás de Símbolos, cuja leitura está reservada aos iniciados. Que essa apreensão dos Mistérios não seja uma apreensão racional, mas imagética e mística/espiritual, é evidente.
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 2 de outubro de 2023.