Gogue e Magogue, os Citas e a Erudição dos Profetas

Elementos de “geopolítica” profética

Natanael Pedro Castoldi
5 min readJan 9, 2024

Certos profetas hebreus, segundo demonstrado por Maurice Chatelain (O Fim do Mundo), deveriam ser eruditos da envergadura dos sacerdotes egípcios, maias, babilônios e, claramente, salomônicos, embora não fossem, tal como eles, sacerdotes. A tradição profética hebreia apresenta evidências de conhecimento astronômico altamente elaborado, parecendo conhecedora ou herdeira de uma vasta tradição astrológica que deve remeter ao acúmulo de observações dos semitas nômades dos desertos e dos ermos, mas também da iniciação no arcabouço caldaico e nos mistérios faraônicos. Isso é sustentado por Chatelain nas coincidências entre o cumprimento de oráculos proféticos e conjunções planetárias notáveis, assim como eclipses lunares e solares, de recorrências mapeáveis porque se sucedem segundo ciclos — ciclos que os profetas conheciam, de maneira que, assim como fizeram astrônomos maias e hindus, puderam calcular e prever eventos astrais, a partir dos quais vislumbraram eventos determinantes na ordem política do Oriente Próximo. É claro que a precisão dos oráculos demanda a sua dispensação revelacional da parte do Senhor, todavia, não se alinha aos fatos a velha imagem dos profetas como sujeitos brutos, de tipo troglodita, cuja manifestação de entendimento era devida exclusivamente à emergência interna, na mente, do Espírito de Deus.

A erudição dos profetas, sobretudo dos maiores, está igualmente clara na manifestação de seus conhecimentos a respeito das nações do Mundo, escondidas sob um intrincado simbolismo, de significado padronizado segundo transmissão discreta entre as escolas, e sob certos mistérios. Um exemplo paradigmático é aquele a respeito de Gogue e Magogue na profecia de Ezequiel 38 e 39. Os Antigos sabiam como se referir aos povos do Mundo conhecido, e os hebreus o faziam a partir da Tábua das Nações, de Gênesis 10, como desdobramentos das linhagens dos filhos de Noé. Gogue era o nome dado a uma nação ao Norte extremo, governada por Magogue, “príncipe de Roxe, de Meseque e de Tubal” (Ez 38:2).

Em Gênesis 10, Magogue é o segundo filho de Jafé, Tubal é o quinto e Meseque é o sexto, e Roxe ali não aparece. Naturalmente, os descendentes de Magogue serão os que ficaram conhecidos como sendo da Tribo ou da Terra de Magogue. Heródoto de fato menciona Meseque e Tubal, identificando-os com os povos samaritano e muschovita, habitantes do Ponto, ao norte da Ásia Menor. Josefo confirma que Meseque e Tubal eram, no seu tempo, os Moschevos e os Tobelitas, e Magogue seria a Cítia, aquela vastidão do Norte, nas montanhas do Cáucaso, habitada pelos citas. Plínio confirmou que Hierápolis, após capturada pelos citas, foi chamada Magogue. O famoso erudito judeu Gesenius, ao discutir os termos em seu léxico hebraico, afirma que Meseque foi o fundador dos mosquis, o povo bárbaro “que habitava nas montanhas mosquianas”. “Mosquis”, ele advoga, é derivado do hebraico Meseque e é donde vem “Moscou”. Tubal, filho de Rafete, é o fundador dos tiberenos, um povo do Mar Negro, a oeste dos mosquis. Sobre Roxe, cujo significado é “pico” ou “cabeça”, deve-se pensar no povo dessa maneira nomeado pelos bizantinos e pelos árabes. O povo Roxe ou Ruxe habitava no Tauro e era uma tribo dos citas. Gesenius os descreve como estando ao norte da cordilheira do Tauro, junto do Volga, e aproxima Ruxe de “Rússia”.

… o oráculo de Ezequiel não se cumprira cabalmente e que o Mistério de Gogue e Magogue ainda aguardava uma conclusão de tipo escatológico…

A conclusão que se impõe é a de que Ezequiel, conquanto nos pareça falar em símbolos obscuros, não desconhece Gogue e Magogue, Roxe, Meseque e Tubal. Gogue é o nome do grande rei ou do principal líder dos reinos da Cítia, que se estendem pelo Cáucaso e pelas planícies da Rússia ocidental e da Europa oriental. No oráculo, o profeta vê os temíveis povos das estepes, com suas cavalarias, se aparatando para descer sobre Israel, como parte do Juízo de Deus. Gogue e Magogue aparecem em Apocalipse 20, demonstrando que o profeta João conhecia não apenas algo das nações do Norte e de seus antigos nomes, mas que era herdeiro de discrições proféticas que conservavam esses nomes e seus objetos como instrumentos do juízo divino. Significa, pois, que o oráculo de Ezequiel não se cumprira cabalmente e que o Mistério de Gogue e Magogue ainda aguardava uma conclusão de tipo escatológico. De fato, as proferias hebraicas tendem à multiplicidade de realizações, em direção a uma realização última e ideal, ou completa. E como as naturezas ou os papéis de cada nação, uma vez estabelecidos por Deus, tendem a se conservar — como o caso dos ismaelitas, ou árabes, anunciados desde o princípio como rivais semíticos dos judeus -, é esperada dos russos uma participação efetiva na economia apocalíptica, enquanto oponentes e algozes brutais da descendência de Abraão.

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Além dos Citas (Magogue e Tubal), Ezequiel 38 fala dos europeus orientais, dentre os quais os alemães — Gômer. As tropas de Gômer fariam parte da coalização do rei Gogue, que desceria sobre Israel.

Gômer foi o filho mais velho de Jafé e pai de Asquenaz, Rifá e Togarma. Robert Young diz na sua concordância analítica que Gômer teria se estabelecido ao Norte do Mar Negro e espalhado sua descendência para o Sul e para o Oeste, recobrindo a Europa. Segundo Gesenius, uma parte das tropas da nação de Gômer, da profecia de Ezequiel, é de Asquenaz — nome próprio de uma região ou nação no Norte da Ásia, no Cáucaso, rebento dos cimérios, o antigo povo de Gômer. Para os judeus modernos, Asquenaz se localiza na Alemanha, e chamam-na, no hebraico, dessa maneira — donde os judeus nascidos para lá do Reno serem asquenazitas, dos quais eu sou um descendente bastante residual.

Josefo nomeou aos filhos de Asquenaz “Reginianos”, seguindo um entendimento presente na antiga Roma, que coloca os Reginianos na área da atual Polônia, Tchecoslováquia e Alemanha Oriental. A mesma percepção é compartilhada pelo Talmude.

Textos de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicados em meu perfil pessoal do facebook em 8 de janeiro de 2024.

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Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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