Guerra e Ritmo do Tempo

O compasso da História

Natanael Pedro Castoldi
3 min readMar 7, 2023

Tenho explorado as possibilidades de a Guerra ter fundamentos religiosos, ou mesmo dar o impulso originário ao ordenamento religioso. Daí, uma vez que a Cultura nasce da Religião, do Culto, a Guerra deve estar também nas raízes de toda a atividade humana de natureza coletiva. Não vou aprofundar aqui os argumentos que já elaborei anteriormente, mas pontuar como o ritmo da História é dado pela Guerra e pela alternância metabólica entre Guerra e Paz. Noutros termos: a atividade cultural humana ao longo das eras, que é uma definição de História, é ordenada por guerras, que tendem a dar o antes e o depois dos tempos.

Não estão o fim da Antiguidade e o início da Idade Média ligados à Queda de Roma? Não estão o fim da Idade Média e o início da Modernidade ligados à Queda de Constantinopla? Não estão o fim da Modernidade e o início da Contemporaneidade ligados à Queda da Bastilha e à Revolução Francesa? É claro que há algo do arbítrio do historiador nessas definições, mas nem por isso se deve negar a inclinação humana a ver na Guerra um Ponto Quente na História. Nações encontram seus mitos fundadores em guerras, e são as guerras, via de regra, que as dissolvem. Isso reflete a estrutura do Cosmos, que vem da guerra entre deuses e gigantes, entre Ordem e Caos, e, no caso semítico-cristão, termina no conflito generalizado que inflama a imaginação escatológica. No universo pagão, como o nórdico, guerras ao estilo do Ragnarök são eventos de aniquilação do Mundo e de fechamento de um Ciclo Cósmico, que prenuncia o nascimento doutro.

A Guerra insta no próprio complexo ritual dos povos

Na história ocidental, podemos distribuir o tempo histórico em circunstâncias e em acordos de Paz. A Pax Grega, a Pax Romana, a Paz de Lodi (Itália), a Paz de Westfália, a Paz de Viena, a Paz de Assunção (Paraguai), a Paz de Poncho Verde (Rio Grande do Sul), a Paz de Versalhes, a Pax Americana, a Paz Liberal (da Guerra do Golfo)… Uma vez que condições pacíficas (como aquelas impostas por impérios) e acordos de Paz configuram o ritmo do tempo e inauguram novos períodos, devemos manter em mente a força criadora e fundadora da Guerra, pois a Paz não seria sem ela — aliás, a condição natural do homem, parece-me cada vez mais, é a da Guerra, não a da Paz, e digo isso começando por considerar que a Guerra insta no próprio complexo ritual dos povos, desde os mais primitivos, e ocorrerá sempre, de uma forma ou de outra.

Por isso a profecia bíblica considera que a Guerra está tão próxima quanto mais se fala em Paz. O clamor obsessivo por Paz é um dos sinais de que determinado tempo histórico está exaurido, prenunciando uma guerra iminente, que vem para matar o velho e forçar a emergência do novo.

“Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de parto àquela que está grávida, e de modo nenhum escaparão.” — 1 Ts 5:3

Texto originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 25 de fevereiro de 2022.

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Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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