Israel: alma dividida e tentação titânica
Uma crítica ao “Mandato Cultural”
O texto abaixo é a compilação de dois escritos subsequentes, parte 1 e parte 2 do mesmo estudo.
A mentalidade israelita tensiona, desde o gérmen, entre a Cidade e o Campo, entre a vida urbana e artificiosa e a vida pastoril, sobremodo natural. Abraão, não podemos esquecer, sai de Ur, uma das maiores cidades do Mundo Antigo, cuja glória pode ser imaginada através das impressionantes ruínas de Mari. Ele pertencia a uma família de construtores de ídolos, os terafins (seu pai seria como que o arquétipo do artesão dos ídolos, porque seu nome era Terá). O pai de Abraão foi quem guiou a saída de Ur, mas parou num ponto do caminho, onde fundou a cidade de Harã. Abraão prosseguiu de onde Terá havia parado, saindo de Harã com um sua família, na direção de Canaã. A experiência familiar de Abraão se torna, então, seminômade e pastoril, passando ao largo de cidades como Salém, e fundando e visitando antigos santuários e betilos dedicados a El — a antiga divindade tutelar semítica, que Martins Terra considera sua divindade exclusiva no tempo originário, monoteístico, e cujo culto havia sido pervertido e cujo status havia sido deturpado dentro do politeísmo idólatra, do qual o próprio Abraão havia saído. O encontro pessoal de Abraão com El, sob o Nome Javé (Yahwe-El, “El faz ser”), e a purificação de Seus santuários, é um retorno à pureza nascitural dos semitas, que acompanha a retomada da condição pastoril e nomádica. É por essa razão que Abraão, tendo sido reencontrado por Deus e separado para fundar o Povo Santo, pode considerar Javé a divindade de sua família.
O modo de cultivo e de guarda do Jardim por Adão não era tecnológico, mas espiritual
O Gênesis, pelo qual Moisés fundamenta a experiência hebraica no Êxodo e o estilo de sua vindoura habitação na herança de Abraão em Canaã, está repleto desse ensino. A disputa entre Caim e Abel é símbolo dessa tensão. Caim é a representação da força brutal, baseada no controle da terra, na sua violação instrumental para a agricultura — ferramentas de trabalho pedem o uso de metal, que pode sulcar o solo, mas também ser moldado em espada; Abel é a representação da doçura e da inteligência, e nisso foi substituído por Sete e sua linhagem, os legítimos adoradores de Deus. Abel era pastor e, como tal, manejava os rebanhos à luz da Inteligência, do Espírito, conforme a autoridade sobre a Criação conferida pelo Senhor a Adão. Contrariamente ao que afirmam muitos teólogos do tal de “Mandato Cultural”, o modo de cultivo e de guarda do Jardim por Adão não era tecnológico, mas espiritual: ele estendia as mãos para colher os frutos de “todas as árvores do Jardim” como quem lhes comandava, e podia ordenar diante de si toda a animália, para entre ela procurar uma auxiliadora. Adão não demandaria jamais a confecção de ferramentas de cultivo, nem erguer cercas para conter os animais domésticos e afastar os animais selváticos. O Jardim mesmo era um recinto fechado, o Templo de Deus, e nele não havia trabalho. A maldição adâmica, após a Queda, é evidência disso, com base na dupla perda: tendo perdido a autoridade espiritual sobre a vegetação, deveria colher seu pão com o suor de seu rosto, lutando com a terra, que já não lhe seria mais favorável, mas contrária, e, enfim, seria pela própria terra tragado, e, tendo perdido a autoridade espiritual sobre os animais, estaria à mercê da inimizade da serpente, símbolo do Caos. O princípio da atividade cultural humana é dado na saída do Jardim Murado e no ingresso no Caos Selvagem: o sacrifício de um animal de rebanho e o uso de suas peles como veste.
Abel e Sete são os herdeiros desse modo de vida, conservando parte da autoridade adâmica sobre os animais domésticos, de seus rebanhos, e evitando o levantamento de cercas e muros, tal como a confecção de ferramentas de metal. Assim, estão dados à Inteligência, no sentido das operações do Espírito, e não à astúcia e ao titanismo, que são uma perversão utilitária do Intelecto, atrofiado pela ebulição de paixões baixas, pela vaidade e pelo desejo de poder. Essa é a vereda de Caim, que fundou a primeira cidade, se fixando atrás de um “recinto murado” (‘Ir), e é a vereda da sua linhagem, cheia de artífices nas mais diversas artes, dentre as quais a mais destaca é a metalurgia, encabeçada por Tubalcaim, retratado em alguns lugares com aspecto de titã. É uma linhagem construtora de cidades, que faz violência ao solo e aos homens, de cujo sangue recobre a terra. É a linhagem que se deformará nos nephilins, nascidos do “casamento” entre anjos caídos e mulheres desejosas de conhecimentos proibidos (à imagem de Eva), instruídas na magia e na feitiçaria através de demônios e iniciadoras de homens maus nas artes divinatórias e nos sortilégios (a bruxa de Endor é dessa estirpe). Uma lenda judaica expressa notavelmente a condição de violência geral e de bestialidade: Tubalcaim ordenou a Lamec que atirasse sua flecha contra a fera que se aproximava, e este, fazendo-o, matou a Caim, cujo sinal, um chifre no meio da testa (o Sinal de Caim), fê-lo parecer monstruoso. Essas foram as causas do Dilúvio — porque os nephilins, titãs e potências caóticas, desafiaram ao Criador e se autoproclamaram, insolentes, os senhores do mundo.
Após o Dilúvio, o problema se desloca para a Babel, a Torre Insolente, que procurou congregar a espécie humana sob sua sombra e atrás de seus muros. Seu arquiteto era o exímio caçador Nimrode, rei e fundador de Nínive e de outras cidades, e um grande inimigo de Deus. Conta-se na tradição que ele teria erguido Babel em analogia ao seu próprio trono, elevadíssimo, e que pretendia subir até o Céu e destronar o Criador de Seu Trono. Entre os gregos há um mito similar, de homens-totais, de forma circular e plena, que sentiam-se divinos, e que, ao descobrirem a existência dos deuses no Céu, desejaram subir até lá para destruí-los — por isso foram destruídos pelos deuses. Uma lenda judaica diz que Nimrode foi morto por outro caçador arquetípico, Esaú, enquanto ambos caçavam — Esaú vestiu as vestes sagradas de Nimrode, suas roupas de peles, e se tornou duplamente poderoso (até que Jacó as roubou de sua tenda).
Vemos a continuidade desse conflito na disputa entre Esaú e Jacó. Contrariamente, todavia, à interpretação convencional, de que a vitória de Jacó representava uma afirmação da condição sedentária contra o velho hábito seminomádico, temos uma tensão entre o fundador do reino citadino de Edom, rico na extração de minérios e estabelecido sobre orgulho militar, donde Esaú é associado a Nimrode, e a continuidade do éthos abraâmico, pastoril. Um ponto importante aqui é dado por Robert Graves: Jacó é símbolo do imperativo israelita, estabelecido na Promessa e na Aliança com Deus, da sobrevivência não confiada a “carros e cavalos”, nem a exércitos ou números (Davi é punido por Deus quando insistiu em realizar o censo do exército — 1 Cr 21), mas na retidão cúltica e moral, baseada na Inteligência, na Sabedoria inerente à Lei Mosaica. Essa foi a experiência no Êxodo, de reingresso na condição pastoril e nomádica após os séculos sob o Egito, inteiramente determinada pelo favor divino, e a experiência da Reconquista, efetivada milagrosamente com toque de trombetas e exércitos pequenos. Essa, ainda, foi a experiência da fundação do Reino pela instauração da monarquia, inicialmente contrária à vontade de Deus (para que Israel não se tornasse uma nação idêntica às demais), que acompanhou o retorno do profetismo, sob a sombra de Moisés e do Êxodo e dos apelos à memória da pureza da Congregação do Deserto, e que soube fazer frente às autoridades sacerdotais radicadas no Templo, que veio a substituir a Tenda. Uma contradição cujos sentimentos estão expressos no próprio nome de Jerusalém, que condensa Javé e Asher, nunca permitindo com que se esqueça de que a Cidade, e assim a vemos em Babel, ou Babilônia, em Sodoma e em Gomorra, é a morada preferida do Pecado.
“Não beberemos vinho, porque Jonadabe, filho de Recabe, nosso pai, nos ordenou, dizendo: Nunca jamais bebereis vinho, nem vós nem vossos filhos; não edificareis casa, nem semeareis semente, nem plantareis vinha, nem a possuireis; mas habitareis em tendas todos os vossos dias, para que vivais muitos dias sobre a face da terra, em que vós andais peregrinando.
Obedecemos, pois, à voz de Jonadabe, filho de Recabe, nosso pai, em tudo quanto nos ordenou; de maneira que não bebemos vinho em todos os nossos dias, nem nós, nem nossas mulheres, nem nossos filhos, nem nossas filhas; nem edificamos casas para nossa habitação; nem temos vinha, nem campo, nem semente. Mas habitamos em tendas, e assim obedecemos e fazemos conforme tudo quanto nos ordenou Jonadabe, nosso pai.” — Jr 35:6–10
A alma cindida de Israel, como vimos (parte 1), é a tônica de sua experiência histórica. A Congregação no Deserto, purificada dentro de quarenta anos de provações, nos quais a geração saída do Egito agrícola, citadino e idólatra havia morrido, é o ponto para o qual retornaram os profetas dos tempos da monarquia — por terem confiado na força dos homens, nos números de exércitos e em alianças com povos ímpios, e se orgulhado de suas cidades e de suas riquezas, tendo, por conseguinte, se esquecido de Deus, da Promessa e da Aliança, por terem abandonado a memória do Deserto, em suma, os israelitas perderam territórios, perderam batalhas, perderam cidades e enfraqueceram ao ponto do domínio estrangeiro.
A cisão da alma, a crise, se refez já na Reconquista. Finkelstein e Silberman (A Bíblia Desenterrada) notaram a eclosão de uma comunidade semita distinta nas Terras Altas do Jordão. Cerca de 250 pequenas aldeias apareceram de súbito a partir de 1200 a.C., se proliferarando até 900 a.C., e acomodaram algo perto de 45 mil pessoas. Elas possuíam uma cultura muito singular, de todo diferente das cidades de Canaã, localizadas sobretudo na planície fértil, radicada em pequenos povoados (não mais do que um acre de terra e cerca de cem habitantes) eminentemente pastoris, destituídos de prédios públicos, de templos, de palácios ou de armazéns. Esses povoados se situavam em terras próximas aos vales, nos quais havia boa pastagem, e eram materialmente pobres. Sua organização social, religiosa e política parecia pender a um certo igualitarismo (quase não há adereços de luxo nos sítios encontrados, nem cerâmicas importadas — a local era bem rudimentar -, ou jóias); as casas, de pedra bruta, não variavam muito de dimensão; e a religião era, por assim dizer, desburocratizada: os túmulos jaziam simplórios e não recebiam oferendas, e quase não há indícios de cultos e santuários, à exceção da estatueta de um touro, possivelmente uma divindade cananeia ou o touro idolatrado no Deserto. Não eram comunidades militarizadas e nem fortificadas, seguindo o modelo dos acampamentos de tendas dos beduínos do deserto: o compartilhamento das paredes exteriores formava uma espécie de círculo, um anel protegido, dentro do qual se estendia o pátio comum, onde eram guardados os rebanhos à noite, rebanhos esses apenas de ovelhas e cabras, quase sem vacas (incompatíveis com a condição seminômade) e com nenhuma evidência de porcos. Desde muito cedo, esses pastores venderam carne aos cananitas da planície, dos quais adquiriam grãos e faziam uso das pastagens, com incursões de eventuais ataques e domínio de terras aráveis. Com o tempo, a vida se deslocou para o lado mais ocidental do Jordão e foram assimilados os hábitos agrícolas de Canaã, assim como muitos de seus costumes, e as cidades se tornaram maiores, muradas e militarizadas.
Os estudos de Finkelstein e Silberman batem com o período da chegada dos hebreus pelo Deserto, do Oriente, e os inícios de sua instalação nas fronteiras de Canaã, com todos os traços de pureza trazidos do Deserto. A quase ausência de santuários e altares é indicativo do uso de santuários mais antigos localizados na região, como aqueles que foram utilizados por Abraão e seus filhos, e da existência de um templo de uso comum, altamente centralizador, que conhecemos por Tabernáculo. Com o tempo, todavia, e a assimilação da parentela que havia ficado na região, aos quais Herbert Wendt chamou de “israelitas”, distinguindo-os dos hebreus, que passaram pelo Êxodo, elementos da vida citadina, hostil ao chamado de Deus, foram se imiscuindo no modus vivendi hebraico.
O processo foi rápido o suficiente para os últimos assentamentos de modelo beduíno serem datados, aproximadamente, da morte do Rei Salomão, ainda nos alvores da monarquia e perto da culminação da absorção do éthos gentílico. Até 900 a.C. encontramos as 250 aldeias, e há um salto para mais de 500 na região montanhosa do Jordão até por volta do Séc. VIII a.C., pouco após a divisão do Reino, com algumas cidades maiores. Essa divisão do Reino, dada entre Israel e Judá, decorre da sina da alma israelita, que Finkelstein e Silberman argumentam jamais ter sido superada de fato. Mesmo antes do efetivo domínio hebraico sobre Canaã, as Terras Altas do Jordão ocidental eram dominadas por duas grandes cidades, que no Séc. XIV a.C. mantinham em seu raio de poder territórios que coincidem muito bem com aqueles do Reino do Norte, sob Samaria, e do Reino de Judá, sob Jerusalém. Essas duas cidades eram Siquém, ao Norte, e Jerusalém, ao Sul, e suas regiões de influência eram determinadas, dentre outros fatores, por notáveis diferenças geográficas e climáticas, que faziam do Norte uma região mais fértil, melhor habitável e mais propícia à agricultura, enquanto o Sul, imperado pelo Deserto, era mais oportuno à atividade pastoril e, na terminação da Palestina junto aos grandes desertos da Arábia, ao Sul, da Mesopotâmia, ao Leste, e do Sinai, ao Oeste, menos cercada de povos e tribos fixas, por conseguinte menos suscetível à influência estranha. O quadro da geografia e das questões políticas, com a corrente disponibilidade regional para certos usos e costumes, esteve desde sempre pronto para a cisão dos israelitas, ao Norte, com os hebreus, mais próximos do Deserto, em Judá, que para lá retornam no Pós-Exílio na figura dos judeus — perante os quais os remanescentes do Norte eram samaritanos, inimigos de Deus.
Essa divisão é exatamente aquela que se nos apresenta no Novo Testamento. Jerusalém, nesse contexto, estava firmada como o epicentro da fé judaica, o lócus dos sacerdotes e do Templo e uma inflamada arena de disputas farisaicas, desde as sinagogas. A dominação estrangeira, exercida pelos romanos e alimentada por Herodes, e o próprio Templo herodiano em Jerusalém, eram motivos de escândalo para um imenso número de judeus, e alguns deles, mais radicais, chegaram a se isolar no Deserto, à luz dos recabitas, numa comunidade ascética que rejeitava o Templo, tomado por ilegítimo e chefiado por uma classe sacerdotal corrompida, e embebida de expectativas escatológicas — falo de Qumran. Outros movimentos podem ser assinalados, como o dos zelotes, e a expectativa messiânica era florescente até na Galileia, e inflamava os corações dos que se tornaram discípulos de Cristo.
A decapitação de João Batista, daquele que bradava no Deserto vestido de peles (uma contestação das vestes ricas dos nobres que habitam as casas dos reis) e comendo dos frutos da terra (uma rejeição explícita às comidas “civilizadas”, do pão dos trigais e da carne dos rebanhos), foi o símbolo do fim da Antiga Aliança, porque o Cabeça da Velha Profecia havia sido extirpado da terra dos vivos, e agora se inaugurava a Nova Aliança, pela qual o Espírito da Profecia seria infundido sobre todos os nascidos em Cristo, os Novos Homens do Reino Messiânico, os inauguradores da Era Escatológica, à vista do Fim dos Tempos e do Reino Eterno. A Igreja é, portanto, uma Nação de Profetas, estando no Mundo, tal como os profetas estiveram na Antiga Israel, para anunciar o Dia do Juízo e a necessidade, de uma vez por todas, de redenção diante de Deus pelo arrependimento dos maus caminhos e pela lavagem do Pecado no Sangue Puro do Cordeiro, a Promessa dos Pais, agora revelado aos homens de toda a Terra, porque Erguido no Madeiro.
A Igreja é o veículo da contradição, do escândalo e da suspensão de todas as iniciativas humanas firmadas na areia
Enquanto Nação de Profetas, os cristãos são anunciadores do Eschaton, do Cristo Revelado e, portanto, da Sua volta. Na qualidade de pregadores da Economia da Salvação, porque vivem o Tempo Escatológico, o Tempo da Peregrinação, ou da Paróquia, inevitavelmente tensionam com a Economia dos Homens, com o ímpeto titânico pelo aprimoramento técnico, dos instrumentos e das ferramentas de poder e de controle sobre a Criação e sobre as pessoas, que visa a perenização do homem no mundo pela evitação do Fim. O anúncio do Evangelho é também a afirmação da vaidade de todos os intentos do homem sem Deus, quão pueris são sua sede de eternidade terrena e a força buscada na horizontalidade — tudo isso será esfacelado e feito pó num piscar de olhos, ao som da Última Trombeta. Nesse sentido, a Igreja é o veículo da contradição, do escândalo e da suspensão de todas as iniciativas humanas firmadas na areia — ela não existe para colaborar com esses projetos, para sustentar seu tecnicismo, seu progressismo, sem empreendimento universalista e luciferiano.
Os cristãos são, pois, Semente da Mulher através da primogenitura de Jesus, não filhos da Serpente, a estirpe de Caim. Cainitas são os construtores da Cidade, os forjadores de espadas, os semeadores da terra e os cultistas de ídolos sedentos de sangue humano, que a fertilizam ao custo de sacrifícios cruentos e de bacanais. Os cristãos, por isso, são pisadores de serpentes, vivendo a Mente de Cristo, no Seu Espírito, conforme os princípios da Nova Criação — razão pela qual não se dão ao que é perecível, ao que será desfeito, e vivem segundo a ética do Corpo Glorioso da Ressurreição, cuja suficiência é o Senhor. Por isso, à luz do Adão de vestes luminosas, do Adão de antes da Queda, e do Segundo Adão, o Cristo, estão no mundo espiritual e intelectualmente (o Intelecto enquanto manifestação do Espírito — soma pneumatikon), sob a perene sombra do Altíssimo, do Eschaton, do Absoluto, que conseguem enxergar através dos particulares e das coisas visíveis e discernir através dos tempos. Estão no mundo autoritativamente, não astuciosamente, nem tecnologicamente, e seu modo de agir na Criação e na cultura é carismático: embaixadores da Verdade, bradam o ridículo e a miséria dos Filhos das Trevas, que querem ser como Deus, e derrubam os seus estratagemas pelo dom do Espírito, que é Amor (para com os de fora, principalmente para com os de dentro, e até ao martírio, assumido sem resistência pela espada), e pela autoridade que lhes foi dispensada por Cristo, através do Espírito Santo, sobre demônios e enfermidades — imagem da antiga autoridade de Adão sobre as criaturas e prolongamento da autoridade de Cristo sobre a Criação e contra a Serpente, que é Caos.
Por isso, a verdadeira vocação cristã não é a do Mandato Cultural, que supõe o domínio tecnológico de Adão sobre a Criação e não o Intelectual/Espiritual, baseado na Autoridade, não no Poder. A verdadeira vocação cristã não reside preferencialmente na participação “construtiva” junto dos empreendimentos dos homens ímpios, com seus artifícios e ardis visando a imortalização e a plenificação neste mundo. A vocação cristã é profética, opositora do Opositor, porque afirmativa do Criador, e vem aumentar a crise no espírito e a crise na consciência do homem caído. Se melhora a arte, as ciências e a cultura, não o faz “institucionalmente”, mas profeticamente: porque impõe sobre elas o vulto do da Verdade, à qual são constangidas a se curvar, tornando-as mais belas e melhor compatíveis às reais necessidades da criatura humana. Esse, pois, é um empreendimento espiritual, sintetizado na Grande Comissão, inimiga incontornável de todo o cessacionismo, porque sustentadora da herança adâmica dos crentes, início da Nova Criação pelo Segundo Adão, cuja presença na Terra é atestada na autoridade carismática:
“E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado.
E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão.” — Marcos 16:15–18
Textos de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicados em meu perfil pessoal do facebook em 15 de maio de 2023.