Júpiter: Cristo derruba César Augusto
O Rei do Mundo e o Trono do Ocidente
A Estrela de Belém, que é a Conjunção Júpiter-Saturno, ocorrida três vezes no signo de Peixes (o regente da Palestina) no ano 7 a.C., tem um amplo significado cosmológico e escatológico, porque Saturno, a Estrela do Sábado e do Ocidente, é também a divindade fundadora de Roma, e são dois os entendimentos, que convergem entre si, que podemos extrair dessa tensão entre as vocações de Jerusalém e de Roma, sob o Messias.
Segundo as pesquisas de Eliade (Mito do Eterno Retorno), havia um senso proto-apocalíptico na Roma dos limiares do nascimento de César Augusto. Contra a tendência de ver uma Roma Perene, de matiz filosófico e ideológico, a pressão do fatalismo astrológico era, essa sim, uma mensagem perene, e ainda que a história não necessariamente devesse respeitar desmandos astrológicos, era sabido e sempre relembrado o puro e simples princípio cosmológico da integração e da desintegração, precedente doutro ciclo integrativo. Como Wendt (Tudo Começou em Babel) e Eliade observaram, os sábios e poetas antigos perceberam muito precocemente que nenhuma catástrofe transcorrida na história era fortuita, porque os impérios, todos eles, seguiam o mesmo padrão, e na medida em que se expandiam, causavam guerras, devassidão e injustiça, até a sua dissolução, o que não era mais do um espelhamento entre a ordem humana e a ordem cósmica, porque o “relógio” astrológico fala o mesmo a respeito dos mundos.
Diversas vezes os romanos conheceram o terror da expectativa do iminente fim da Cidade, porque criam que seu fim fora predeterminado no exato momento de sua fundação com Rômulo. Não foram poucos os dramas que inflamaram os sábios e o populacho romanos, fundados nas incertezas a respeito da precisão dos cálculos do tempo vital de Roma, e em ocasiões assim comumente foram abertas as portas esperançosas de uma ressurreição da Cidade, não necessariamente seguida de uma catástrofe.
“Em todas as crises histórias, dois mitos crepusculares dominavam a obsessão do povo romano: 1) a vida da cidade terminaria, com sua duração limitando-se a uma certa quantidade de anos (o ‘número místico’, revelado pelas doze águias avistadas por Rômulo); e 2) o Grande Ano colocaria um fim a toda a história, e portanto à de Roma, por meio de uma ekpyrosis universal.” — Mito do Eterno Retorno, p. 115
Inicialmente, creu-se que Roma terminaria no 120º ano da sua fundação, mas logo se percebeu que as Doze Águias não significavam décadas. O final do ano 365 também se mostrou incompatível, pondo por terra a tese de que a vida de Roma duraria um “ano” de trezentos e sessenta e cinco dias/ano. Pensou-se, então, que Roma viveria doze meses de cem anos, com recorrente esperança de que o final do Grande Ano não precisaria culminar na ekpyrosis universal, uma destruição pelo Fogo (que o apóstolo Pedro descreve em 2 Pedro 3:10–13). Ainda assim, o apelo da catástrofe era um vulto imponente e constante, voltando a cada período de crise da Cidade — quando César atravessou o Rubicão, Nigídio Fígulo previu o começo do drama cósmico-histórico do fim de Roma, por exemplo, embora não cresse na inevitabilidade da ekpyrosis, porque uma renovação conforme a metacosmesis neopitagórica era possível sem ela. Essa perspectiva foi compartilhada por Virgílio. Horácio, na Epodos XVI, deixa claro o seu incontido medo frente ao destino de Roma. Estóicos, gnósticos e astrólogos interpretavam as guerras e calamidades de seu período como sinais da iminência do Fim, e era quase unânime a percepção de que Roma sumiria antes do começo de uma nova era. Isso foi assim até o imperador Augusto.
Sucessor de um longo período de guerras civis, o reino de Augusto vinha como uma restauração da Pax Aeterna. A natureza de seu governo parecia constatar como infundados os mitos da Vida de Roma e do Grande Ano, inclusive porque Augusto foi encarado como um refundador de Roma, refundação que permitiu a passagem ou a transição da Era do Ferro, trágica e violenta, para a Era de Ouro sem uma ekpyrosis, e o último saeculum, o do Sol, que fulminaria o Universo, foi substituído por Virgílio pelo saeculum de Apolo — as guerras recentes haviam sido elas mesmas os eventos transitórios da passagem das eras. Com a perduração do reinado glorioso de Augusto, Virgílio procurou garantir aos romanos que Roma de fato não teria fim, conforme a Eneida — I, 255, que apresenta Júpiter afirmando a Vênus que não impôs limites de tempo e de espaço para Roma e que o Império seria sem fim. Assim, pois, Roma foi “rebatizada” como Urbs Aeterna, renascida com Augusto em 23 de setembro, data tomada por ponto de partida do Universo, salvo e recosmicizado por Augusto. Disso, Roma passou a ser vista como dotada de um carisma exclusivo, de uma capacidade de autorregeneração infinita, e, inspirada por esse novo ímpeto, pôde se expandir para, nas palavras de Virgílio, “além dos caminhos do sol e do ano”. Desde o início, os lácios apresentaram um temperamento obstinado e um senso de exclusividade diante do Divino (Kerényi), herança dos etruscos, e só tiveram par na Antiguidade com os judeus, que igualmente se viam como dotados de um status especial diante da Divindade, e é esse senso, latente desde a fundação, que insere na Civis romana uma lógica universalista — sem fronteiras, sem limites espaço-temporais claros (Cacciari), sobremaneira evidente com Virgílio e sob a bênção de Saturno.
Saturno é o astro representativo do Ocidente, como vimos. Um dos mitos da fundação de Roma é justamente aquele da fuga de Cronos, que é Saturno, para o Ocidente, após ter sido destronado por Zeus, que é Júpiter. Foge para o Ocidente, pois, e se esconde no “Latium”, que significa “estar escondido”. Instalado no Capitólio, fundou a cidade de Saturnia, posteriormente Roma, e, apoiado pela divindade local, Jano, com Saturno entronizado como rei, civilizaram os aborígenes com a agricultura e a Lei e deram início à Era de Ouro. Dotado de uma foice, um símbolo da lua nova (Luna Saturni), foice com a qual castrou Urano, o Céu, ocupa a função de legislador e lavrador, mas também a de devorador (porque engolia seus filhos), castrador e punidor. Como divindade não autóctone, a imagem de Saturno que estava no erário de Roma jazia acorrentada, para que não fugisse, desgraçando a Cidade. Ligado às divindades lunares, possuía, no Norte da África, atribuições astrológicas — o disco solar, a lua e uma estrela -, e ali guardava maiores semelhanças com o Baal cananita, que castrou El. Cícero descreveu a Saturni Stella, ou o planeta Saturno, com as qualidades do deus Saturno: inércia, concentração, fixação e condensação — suas qualidades solares e perenizantes, contrapartida de seu lado lunar, inconstante e fulminante. Em seu lado lunar, Saturno está ligado à Serpente (Stein Jr.), o que está implícito na raiz de Cronos, Cron (Inimigo), simbolizada por uma Serpente Negra — símbolo do Tempo, assim como a lua.
A lua nova, ou Luna Saturni, um dos símbolos de Saturno, era considerada estéril, porque inicialmente morta, tomada de sombra, como que engolida — entre os sumérios e babilônios, o “sono adâmico” era associado à Lua Nova Escura, que aparece na cor negra de Saturno, e era entendido como o Sono da Morte (lembremos de Osíris/Hórus). Quando a curva fina da lua nova começava a aparecer, tênue, afiada e esguia, iniciava-se o processo de seu renascimento, como se estivesse sendo “vomitada” por Cronos — entre os orientais, esse era o “despertamento adâmico”, por isso a curva da lua nova foi associada à “costela de Adão”, tornando-se sua contraparte feminina, Eva (cuja “Semente” vai ficando gloriosa até o esplendor de sua forma, a Lua Cheia). Uma das diversas lendas coletadas por Stein Jr., a dos parecís, fala de um monstro engolidor que desolava o povo parecí, engolindo-o, até que, clamando para a divindade Hateti, os parecís receberam um salvador em forma de menino chamado Enorê. A criança foi adotada por um casal e se fortaleceu para enfrentar o Orco: com uma machadinha feita da borda visível da lua nova, se deixou engolir, morrendo simbolicamente e junto da lua no ventre do monstro. Em cantão (chinês) To significa ventre, Itu em cayapó, significando também morrer, e Itu, em chinês, é Terra, cujo ideograma é Saturno, o Príncipe do Mundo, junto da lua, que está no Ocidente. Enfim, Enorê, com a machadinha, perfurou até o coração do monstro, o matando e abrindo sua boca infernal para a saída de todo o povo, mas o próprio Enorê, a fim de também sair, teve que abrir a carne e entre as costelas para renascer da Morte, emergindo de seu flanco. Após isso, Enorê desapareceu, como Osíris. Esse mito é muitíssimo similar ao grego, que envolveu Cronos e a regurgitação dos deuses após a intervenção do Filho Divino, Zeus, ou Júpiter. Convém observar que Júpiter, ou Zeus, não chegou a ser engolido por Saturno, ou Cronos (em seu lugar, foi engolido betilo que estava em Delfos), mas, mutilado por Tifão, foi aprisionado no ventre da Terra, no fundo da caverna de Corícia, da qual emergiu quando seus tendões foram recuperados por Pã e Hermes da dragão-fêmea Delfine, derrotando Tifão e o aprisionando no Monte Etna, o famoso vulcão (Attuna — fenício para forno [lembre do Atun egípcio, divindade solar ancestral]). Esse mito remete ao de Osíris/Hórus, desmembrado e devorado por Set.
Saturno rege o Ocidente, por conseguinte, também no sentido de o Ocidente ser o lócus do Poente e da Morte. Como observou Wendt, provavelmente o nome “Europa” derive do semítico “ereb”, cujo significado para os povos da Ásia Menor é “escuridão”, de maneira que a Europa era entendida como “O Continente Escuro”, além de ter sido o nome de uma primeva deusa lunar e telúrica / ctônica. Para os árabes, Ocidente é “Garb”, o Lugar dos Mortos, onde o Sol se põe e se transforma em Sol Negro, regente do Submundo, depósito final das almas (lembre-se do Érebo). Entre os hebreus, continua Adrião, “Har” indicava os Lugares Altos, como o Monte do Sol, Har-Abu, ou Horebe, substituto do pré-cananeu Sin-Nai (Monte da Lua). Horebe, vertido como Harabu, Outeiro do Poente, é como Garabu, Ocidente. Foi no Monte Horebe, o Monte do Sol, ou o Outeiro do Poente, que Javé (Yahwe-El — “Deus faz Ser”), associado por Gunneweg a uma divindade vulcânica autóctone do Sinai, se apresentou a Moisés e aos israelitas entre nuvens tempestuosas e relâmpagos. Para Graves, Javé vem da Iahu sumeriana, a forma de pomba que assumiu Eurínome, a Filha do Oceano, depois de ter transformado o Vento Norte, Bóreas, na Serpente-Macho Ofíon, de quem concebeu e pôs o Ovo Cósmico. Iahu, controladora dos ventos, é geratriz do Vento Norte, que fertiliza as águas do Oceano Primordial. Essa imagem aparece em Gênesis 1, quando o Espírito de Deus paira sobre as Águas (Tohu / Bohu), que o comentarista da Torá descreverá como a passagem do Trono Divino por sobre os Mares, guiado pelo Sopro do Senhor, o Rúach, que inseminada nas Águas toda a potência criadora. No mito pelasgo, Eurínome expulsa Ofíon para o Submundo e conclui a Criação com o estabelecimento dos Sete Poderes Planetários, guardados, cada qual, por um casal de titãs, assumidos como deuses dos dias da semana inclusive na Babilônia e na Palestina, de onde a própria Grécia herdou essa parte do mito. Do abandono do culto titânico na Grécia em favor daquele dos olímpicos, a semana de sete dias foi esquecida e o número das potências planetária subiu para Doze, conforme o Zodíaco, dado aos deuses. Na Palestina e entre os hebreus, Javé absorveu em Si todos os poderes planetários da semana, conforme está suposto no Candelabro e nos Sete Pilares da Sabedoria. O desenvolvimento da religião grega também culminou no Zeus Heliopolitano, que absorveu para si, tendo derrotado os titãs, todos esses poderes, e veio a se tornar transcendente, à semelhança de Javé, como insta nos Setes Pilares Planetários de Esparta, e em Roma se tornou Júpiter, chamado de Iao. Zeus é igualmente vinculado ao raio, ao Vento Norte e às tempestades.
A respeito de Iao, Graves tem algumas observações pertinentes: é uraniano e relacionado com o Sol, Fanes, possuindo quatro cabeças, que correspondem às quatro estações (nota-se Zeus como carneiro [símbolo do raio] e primavera, Habes como cobra e inverno e Dionísio como touro [sacrificial] e Ano-Novo). Eurínome, portanto, perdeu seu posto para a Noite, nova regente do Continente Escuro e deusa-lua tripla, que foi derrotada por Urano, análogo do indiano Varuna e ao palestiniano El, que, enfim, foi superado por Zeus, que assimilou, enquanto Júpiter (Dyeu [Dia/Deus] + Pater [Pai] = Iupitter [“iu” ou “iou” para “dieu”]), todos os poderes de Urano, tornando-se Zeùs Ouránios, o próprio Olimpo, o Divino e o Céu Diurno. Javé é igualmente apreendido como El, a personificação do Céu Diurno, em sua totalidade, mas teofânico no sentido atmosférico, tempestuoso e vulcânico. Etimologicamente, Javé se assemelha muito a Iove ou Iovis, maneira pela qual Júpiter é nomeado por Públio Ovídio Nasão no Fastos no poema do 20 de Maio (Livro V). No Jesus e Javé, Harold Bloom notou que El e Javé, em termos literários, parecem corresponder a diferentes “personalidades” divinas, com Javé mais dinâmico, intenso e pessoal e El como que otiosus, distante, formal e institucional — Elohim (“deuses” ou a Totalidade da Divindade — o sentido de El como Céu). Jesus se aproximaria mais da face javista do que eloísta de Deus, conclui Bloom.
De fato, os cristãos primitivos identificaram Javé a Jesus Cristo, como está claro na quantidade de antiquíssimos manuscritos de Judas 5 que falam de Jesus -não do SENHOR- libertando Israel do Egito, provavelmente pela associação da Coluna de Fogo e da Coluna de Fumaça com Javé (que sustenta a tese de Gunneweg sobre o Javé vulcânico [vide Paulo em 1 Coríntios 10:4]), o que nos permite sugerir que os cristãos assumiam as teofanias veterotestamentárias como cristofanias, manifestações de Javé enquanto Deus Filho. El, tendo dominado Tohu Bohu (ou o Tehom, como despersonalização de Tiamat), fertilizou as Águas com Seu Logos, Seu Vento, Rúach, e entronizou-se como Javé no Santíssimo, em Jerusalém, até o abandono do Templo com a “saída da Nuvem” e o silêncio profético, findado, pois, com João, o Batista, e o seu anúncio da vinda do Filho de Deus, do Cordeiro Expiatório, nascido em 7 a.C. em Belém e sob a luz da Estrela, ou do alinhamento de Saturno (o Ocidente / o Sábado) com Júpiter (o Filho Primogênito da Divindade). Saturno, Potência do Ocidente, é ligado a El/Javé (como notou Barker) na medida em que se vincula ao Sábado, o Dia do Descanso, a Criação fixada, finalizada, condensada, a totalidade do Tempo, que é o Dia de Saturno, guardado por Cronos e Reia e conservado entre os nórdicos como “saturday”. É notável como gravuras medievais apresentam Saturno sob a forma de um jardineiro ancião e manco (porque mutilado). Ele calmamente cultiva as plantas do Sol e as plantas da Lua, andando solitário em seu jardim escondido (o Latium, no Ereb). Melancólico e coxo, está no limiar do dia e da noite, na hora crepuscular, quando é engolido pela Morte ou Orco, e na hora auroral, quando renasce junto do fertilizante orvalho da manhã.
César Augusto foi assumido como Júpiter, Filho de Saturno, na medida em que restaurou a glória de Roma, fazend-oa renascer e, com ela, refundando o Universo. Augusto, divinizado, foi visto como o inaugurador de uma “Nova Criação”, iniciada na “Nova Roma”. O nascimento de Augusto foi chamado de Boa Nova, literalmente Evangelho, e inscrições em cidades tão distantes quanto a Ásia Menor decretam, em 9 a.C., que o calendário seja reiniciado a partir do natalício do imperador — essa inscrição em específico chama a Augusto de “salvador enviado”, “César” e “deus”. Boa Nova para a humanidade, o imperador era o “benfeitor do mundo”, de maneira que a “Nova Criação” deveria ir se impondo aos Quatro Cantos da Terra na medida em que o Império Ilimitado expandisse suas fronteiras, levando a Pax para a humanidade (kosmos). Augusto, por conseguinte, foi assumido como o Rei do Mundo.
Cristo, nascido em Belém à luz da Estrela Saturno (Rei da Justiça)-Júpiter (Sábado / Realeza Ocidental) em Peixes, vinte anos antes da morte de Augusto, fora assumido pelos sábios e astrólogos orientais como o Príncipe da Paz e Rei do Mundo. Como dito no estudo anterior a esse*, entre os populares judeus importava ainda o fato de, segundo se cria, Moisés ter nascido sob esse mesmo sinal celeste, de maneira que o refundador de Israel veio ao Mundo em Belém (os pastores o compreenderam muito bem [assim como a corte de Herodes]), e esse fundador, como Moisés, mas Filho de Davi, trazia consigo o Reino Messiânico, Sem Fim e de envergadura cósmica, para realizar a promessa veterotestamentária de Israel como Bênção para o Mundo, irradiador da Sabedoria sobre todas as Nações da Terra. Jesus Cristo vinha, portanto, como Júpiter, o Filho de Deus, o Javé Encarnado para reassumir do Trono da Criação, desde o qual toda a Criação foi feita e desde onde agora, pois, seria refeita. Rei do Mundo, Cristo veio segundo a ordem de Melquisedeque. Cosmocrator, foi enviado para estabelecer o “Reino que não é deste Mundo” e enviou o Seus para pregarem a Sua Boa Nova, o Seu Evangelho, até os confins da Terra. Ele fundou a Sua Igreja sobre a Rocha e com Ela tapou a boca do Inferno (Cristo, Betilo e Rocha Espiritual [1 Co 140:4], de lá retornou). A Sua Igreja foi comissionada às nações do Mundo inteiro, para infundir nelas o gérmen da Nova Criação, na expectativa escatológica da Sua Volta e do estabelecimento derradeiro e eterno da Jerusalém Celestial sobre a Terra.
É notável como os apóstolos Paulo e Pedro identificaram a semelhança entre Augusto e Cristo e entre as “escatologias” romana e judaica, exposta pelos evangelistas nos termos gregos que escolheram para Boa Nova e para o título de Cristo, Kyrios, idênticos aos do imperador na Ásia Menor. Eles estabeleceram o caráter universalista, tão romano, às aspirações messiânicas cristãs e, à luz do Império, conforme a própria ordem de Cristo, entenderam que deveriam chegar aos limites do Mundo com a Boa Nova, não que as nações do Mundo viriam até Jerusalém — o que ficou evidente quando Jerusalém foi destruída pelos romanos em 70 d.C., curiosamente na ocasião da passagem do Cometa Halley. De toda a maneira, desde os apóstolos Paulo e Pedro, conforme bem demonstrado pelo evangelista Lucas, o empreendimento cristão tinha uma preferência especial por Roma, centro da Terra e Trono do Ocidente.
Ele veio como Cosmocrator, Melquisedeque, como Rei do Mundo, e Seu Reino, a Igreja, prevaleceu em Roma e sobreviveu à queda de Roma
A natureza do nascimento de Cristo, a maneira como Ele definiu o Seu ministério e comissionou os discípulos e o modo de redação do Novo Testamento mostram um Jesus que não poderia ter deixado de rivalizar com César e de Se impor, com Seu Reino Transcendental e Escatológico, ao Império Ilimitado de Augusto. Ele veio como Cosmocrator, Melquisedeque, como Rei do Mundo, e Seu Reino, a Igreja, prevaleceu em Roma e sobreviveu à queda de Roma, empreendendo aquilo que Roma pretendeu para si. Ou, melhor: absorveu em si o ímpeto universalista romano, na medida em que assimilou Roma em si mesma e a superou enormemente — sobretudo em termos de primado espiritual. Assim, ou se deve entender que a Igreja necessariamente vem, vinda de Cristo, para tencionar perenemente com o Império, com “Roma”, ou que a Igreja vem converter Roma e substituí-la — ou as duas opções simultaneamente, se mantivermos a dualidade Espiritual (Carismático) x Temporal (Burocrático). Não é esse, pois, o sentido do sonho da Estátua, de Nabucodonosor, que lemos em Daniel 2?
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 1º de Agosto de 2023.