Macho e Fêmea na Base da Cultura

Das analogias que podemos tecer com a natureza primal

Natanael Pedro Castoldi
4 min readMar 7, 2023

A demanda energética da gestação uterina das fêmeas símias cria a necessidade de grupamentos matrilineares em territórios ricos de recursos. A formação de grupos facilita a proteção dos indivíduos e também da área, e esses grupos, como antecipado, são basicamente formados por um núcleo estável de fêmeas e de filhotes. Tal demanda por recursos, além da própria condição da gestação e do cuidado do filhote, torna a fêmea especialmente vulnerável e dependente. Os machos, por sua vez, não possuem custos reprodutivos tão altos, de maneira que sua demanda por reservas energéticas é reduzida e boa parte de sua energia pode ser utilizada na busca por fêmeas. Isso significa que a sociabilidade dos primatas está baseada, principalmente, nos bandos de fêmeas e filhotes, que se defendem de fêmeas “estrangeiras” que queiram acesso às fontes de energia, e o deslocamento desses grupos é seguido pelos machos, que querem acessá-las.

Isso não significa que em diversas espécies o domínio do bando não seja de algum macho dominante. De fato, na maior parte dos casos é assim que acontece: as fêmeas se organizam em grupo para o controle de uma área rica em alimentos e os machos as seguem e assumem o controle reprodutivo do bando (o interesse não é sobretudo territorial [nutricional], mas reprodutivo). Como, contudo, os grupos são majoritariamente formados por fêmeas e por filhotes e um pequeno número de machos é suficiente, a maior parte dos machos se retira e assume uma vida migrante, solitária ou em bandos menores, no rastro de outros grupos de fêmeas, pelas quais entram em combate com os machos locais. A vulnerabilidade das fêmeas, sugerida acima, torna útil a presença de alguns machos e de um macho dominante que, por sua superioridade em termos de força e agressividade, pode garantir a proteção de seu harém e de sua prole da invasão de outros machos. É interessante notar que entre os símios menores, os instrumentos de combate (dentes e etc.) são inúteis contra predadores, de modo que se desenvolveram e especializaram entre os machos principalmente para o combate contra invasores da mesma espécie.

Aqui está o gérmen dalgo da organização primitiva dos próprios seres humanos

Aqui está o gérmen dalgo da organização primitiva dos próprios seres humanos, e você não precisa ser evolucionista para identificar as similaridades. É lugar-comum a compreensão de que a civilização começa na mulher que, vulnerável por sua condição gestacional e no cuidado do bebê, se junta com outras mulheres e solicita ao homem, naturalmente mais propenso à evasão, para que não se afaste, garantindo sua proteção de predadores e de outros homens. Cria-se aqui uma divisão de tarefas: para ampliar a oferta energética, os homens se tornam caçadores, além de guerreiros (que tanto combatem invasores, quanto dominam outros grupos). Daí a audição do homem ser especialmente sensível a sons graves, de grandes bestas ou de outros homens, enquanto a audição da mulher é refinada para sons agudos, das mulheres com quem convive e das crianças que vigia. Também haverá algumas distinções na natureza da visão: a mulher desenvolverá uma visão mais aberta, útil ao contexto social e seguro da aldeia, à vigilância das crianças e à captação de estímulos invasores hostis, além de ser especialmente capaz de identificar uma vasta gama de cores, associadas aos frutos de coleta nas redondezas do território e que precisa identificar para saber quais são comestíveis; o homem, por seu turno, desenvolverá uma visão mais especializada, focal, ligada à caça e à emboscada — uma visão mais próxima da do predador do que da presa. Essas sutilezas também determinarão algo do funcionamento cerebral, que para as mulheres dará num modo de operação mais holístico, aberto, emocional e multitarefa, enquanto para os homens se reverterá num modus operandi racional, especializado em isolar a parte do todo (como a imagem da presa no meio do bosque, ou o seu som/rastro característico) e em abstrair-se de todo o mais por muito tempo, para a realização do ataque no momento preciso (o movimento da flecha deve prever o deslocamento da presa), além disso, a área linguística ou social da mente masculina será um pouco menos ativa e tenderá a um tipo de sociabilidade mais operacional do que afetiva, baseada na realização de tarefas mais do que no convívio por si só.

Texto originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 7 de março de 2022.

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Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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