Mito e Potência — 2

insight complementar

Natanael Pedro Castoldi
2 min readMay 15, 2021
Helios, Titan Sund God, artista desconhecido

A cultura cosmológica, que ainda não realizou uma clara distinção entre a Divindade e o Mundo e que, portanto, não consegue dar unidade ao Visível através de uma perspectiva Transcendente, tomará o cosmos observado como a totalidade da Realidade e a multiplicidade deverá ser significada dentro da imanência, donde a emergência dos panteões: múltiplos deuses falam de múltiplos fenômenos e encarnam, cada um, uma das muitas formas da Realidade, condensando em si funções e qualidades e se articulando enquanto “família” para o encadeamento de suas atribuições dentro de um Todo. O Todo, pois, é captado pelo homem primitivo, mas esse Todo não é maior do que as partes: é somatório e resultado das existências e das atividades dos individuais.

O drama cósmico precisou ser traduzido em drama mítico, em narrativa poética

Na verdade, nosso ancestral acreditava que estava literalmente e o tempo todo, dalgum modo, dentro do Sagrado. Quando ele olhava para o Céu, não via o natural, mas o sobrenatural, e as movimentações estelares eram deslocamentos de deuses. A Lua, o Sol… o que circulava no Firmamento era, literalmente, um corpo divino. Tal como divino era o Bosque, a Montanha, o Rio. As hierofanias, fenômenos atmosféricos ou protuberâncias rochosas, árvores deformadas ou animais majestosos, eram aparições ou demarcações de espíritos. Nesse sentido, uma vez que o deslocamento e a transfiguração da Lua era confundida com a atividade mesma da Deusa, e que o Sol, quando descia no horizonte, era, de fato, o Filho do Céu, o primogênito apolíneo indo ao Submundo… uma vez, enfim, que as hierofanias e as manifestações naturais eram sempre dramáticas, e mesmo a imobilidade da rocha era um drama eterno, impossível seria não existir mito e mitologia. Os deuses que encarnam funções no Todo aparecem no astro que corre, no rio que quebra, no monte que neva. O drama cósmico precisou ser traduzido em drama mítico, em narrativa poética. Não havia outra linguagem e outro meio de falar sobre as divindades que tomavam o mundo e o céu como palcos de suas mortes e renascimentos, de suas iras e amores. A substituição do drama mítico pela exposição teológica, filosófica, sapiencial e jurídica da natureza da divindade e do mundo vem com a descoberta da Transcendência, que é imóvel, e a desmitificação do mundo visível, que é móvel.

Texto de Natanael Pedro Castoldi redigido para este perfil em 15 de maio de 2021.

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Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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