O Ano Platônico em Gênesis
Da sofisticação do pensamento hebreu e escatológico
Há uma correlação numérica entre os números de Gênesis 5 a 7:6 e a medida de tempo do Grande Ano, chamado Ano Extenso ou Platônico, medido em 25.920 anos, o tempo requerido para o circuito zodiacal completo da precessão dos equinócios. A precisão dos números é tal que inibe a hipótese da coincidência e de uma não intencionalidade. A presença da medida de anos do Ano Platônico no Gênesis, e a sua replicação no Apocalipse (21:9–21), é importante de ser interceptada para que se compreenda o alcance da sofisticação do conhecimento astronômico hebraico e de sua cosmologia.
O número aparecerá nas listas dos anos dos Dez Patriarcas da humanidade (não correspondem necessariamente ao seu tempo total de vida) — Adão, 130, Set, 105, Enos, 90, Cainan, 70, Mahalalel, 65, Jared, 162, Enoc, 65, Matusalém, 187, Lamec, 182, Noé, 600. O somatório dessas idades dará 1.656 anos, uma medida de tempo que compartilha o número 72 com os anos dos reinados dos dez monarcas antediluvianos dos sumérios, tais como aparecem na lista de Beroso — 432.000. 432 mil dividido por 72 é igual a 6.000; 1.656 dividido por 72 é igual a 23. Deve-se assumir, portanto, uma relação de 6.000 para 23. Como o calendário judeu possui 365 dias, em 23 anos, somados os dias bissextos, se terá um período de 8.400 dias, ou 1.200 semanas de sete dias. Esse último resultado, multiplicado por 72, “para obter-se o número de semanas de sete dias em 23 X 72 = 1.656 anos, produz 1.200 X 72 = 86.400, que é o dobro de 43.200” (J. Campbell — Mitologia na Vida Moderna). 72, o fator de 1.656 e 43.200, é o tempo necessário para o avanço de 1 grau no curso da precessão zodiacal, donde o tempo decorrido para o fechamento do circuito de 360 graus será de 25.920 anos.
A mesma razão numérica é conhecida pelos sumerianos de 2.500 a.C., que é a data de uma tabuleta encontrada nas ruínas de Shuruppak, cidade do herói Ziusudra, o último rei da lista de Beroso, ligado ao Dilúvio. Essa tabuleta contém uma tábua para o cálculo de superfícies de campos quadrangulares em termos sexagesimais, método aplicado para a mensuração dos movimentos astrais e base do atingimento do número 432.000, que é o resultado de 60 X 60 X 60 X 2, bastando o acréscimo de mais um 60 para o número 25.920.000, relativo ao 25.920 do Ano Platônico. 25.920 dividido por 60 é 432.
No Apocalipse, à semelhança do Ragnarok, ele está ligado à Descida da Nova Jerusalém após o Sacrifício do Cristo…
O número 432.000 é a medida de tempo que os Puranas hindus dão à duração da Kali Yuga, a última das Quatro Eras, o mais breve ciclo do Grande Ciclo, ou Mahayuga, de 4.320.000 anos. O 432.000 está inscrito na Edda Poética, implícito na relação entre as portas e os heróis do Valhalla — são 432.000 os deuses a serem imolados no Ragnarok para o fechamento da Era Escura e a abertura de uma nova Era de Ouro. Em Apocalipse 21, nas medidas da Nova Jerusalém, atingimos esse número mágico: 12.000 X 12.000 X 12.000 = 1.728 bilhões de estádios cúbicos, os quais, divididos por 4, dão em 432 bilhões. O Número da Besta, ligado ao Fim da Era, dá em 216 (6 X 6 X 6), que é metade de 432. Reitero que 432.000 é a medida de anos dos reinados sumerianos da Era Antiga, ou Pré-Diluviana, e está ligado, como vimos, aos Dez Patriarcas Pré-Diluvianos de Gênesis. O 432.000, enquanto medida dos movimentos astrais, foi obtido matematicamente segundo um sistema sexagesimal e vertido, nas mais antigas tradições, como o número mágico e simbólico para a medida de tempo tanto da Primeira Era como da Última Era. No Apocalipse, à semelhança do Ragnarok, ele está ligado à Descida da Nova Jerusalém após o Sacrifício do Cristo, que desceu primeiro, na Encarnação, e, em seguida, na Parusia, para enfrentar Satanás na Guerra Escatológica do Fim da Era. Segundo Campbell, esse número e essas imagens têm relações com as movimentações da Estrela Vespertina, aquela que desce aos ínferos e que sobe primeiro, trazendo consigo o Sol, e os ciclos da Lua Nova. Reforça-se a relação do Ano Platônico, 25.920, com 432, “atrelado ao sistema de simbolismo de renovações previsíveis após dissoluções periódicas” (Campbell) desde a sua descoberta pelos sumerianos.
Soma-se a essa discussão o relatório de H. V. Hilprencht, de 1905, sobre milhares de fragmentos cuneiformes de barro ligados a cálculos matemáticos. Ele foi o primeiro a identificar o Ano Platônico a um período tão antigo quanto os de Nippur, Sippar e da biblioteca de Assurbanipal: todas as tábuas de multiplicação e de divisão, observou, tomam base em 12.960.000, indicando, a partir de 12.960 X 2, a medida de 25.920. Posteriormente, Hiparco da Bitínia (146–128 a.C.) asseverou o número 72 como a quantidade de anos para o avanço de 1 grau na precessão zodiacal — sendo muitíssimo posterior, todavia, a Beroso, o qual demonstrou conhecimento do 432.000, assim como o redator de Gênesis 5–7, que compartilhou com Beroso o termo precessional 72, segundo sua presença junto de 1.656. Para fins de esclarecimento, o que verdadeiramente importa no sumo desses cálculos é o valor preciso, objetivamente dedutível da observação astral, do número 25.920, o tempo do Ano Platônico, ao qual se submete e está relacionado o 432.000, mais umas abstração matemática de função simbólica.
Com base na evidência bíblica, assim como naquilo que se observou entre os mesopotâmicos e indianos, depois herdado pelos indo-europeus e cristãos, segundo as evidências no Edda Poética e no Apocalipse, Campbell defende a hipótese de duas tradições mitológicas ancestrais — uma de tipo eminentemente folclórico, radicada na descrição ingênua da trama do Divino no Mundo e com o Homem, e uma de tipo eminentemente racional e especulativo, a qual impõe-se sobre a narrativa ingênua e a retrabalha em termos simbólicos e matemáticos, seguindo uma firme cosmologia. É altamente provável, como já elucidamos aqui noutras ocasiões, que essa segunda tradição corresponda à formação de uma classe sacerdotal organizada, ligada ao complexo templo-palaciano — é da necessidade de uma historiogênese, que valide a monarquia, que Voegelin vê a formação da lista dos reis sumerianos do Pré-Dilúvio. A formação da Mitologia enquanto o retrabalho do Logos sobre o Mito corresponde, portanto, ao ofício especializado de uma classe cúltica, par com a classe governante e militar, dotada dos meios necessários para a realização de intrincados e multisseculares estudos especulativos, sobretudo astrológicos. Uma elite tal também se encontra entre os hebreus, junto da corte mosaica na Tenda do Êxodo, herdeira da vasta tradição sapiencial caldaica e egípcia.
… numa linha de transmissão de conhecimento sigiloso que se estendeu até o profeta João de Patmos…
É o que veremos nas pesquisas de Maurice Chatelain (O Fim do Mundo), ex-cientista da Nasa e proponente da chamada Astrologia Científica, pelas quais ele evidencia o acesso de muitos dos profetas hebreus ao arcabouço de observações astronômicas multimilenário dos egípcios e babilônicos, na medida em que apresentam um conhecimento dos tempos dos ciclos planetários, de suas variadas conjunções, e dos ciclos solares e lunares, assim como da precessão dos equinócios, além de uma capacidade de dominar esse conhecimento e de calcular, a partir dos tempos dos ciclos e das observações astrais, os tempos propícios para cataclismos e juízos divinos. Isso significa que os profetas, na medida em que podiam acessar a corte templo-palaciana, conheciam os acervos sacerdotais dos cálculos astronômicos — necessários para o ofício sacerdotal dos sacrifícios e para o domínio dos calendários litúrgicos solar e lunar — e eram capazes de debater previsões com eles. Isso significa que os profetas estavam integrados nas discussões astrológicas das cortes regionais e, muito provavelmente, integravam escolas proféticas nas quais observações e previsões eram realizadas. Demonstravam, pois, entendimento da precessão dos equinócios e das Eras Zodiacais, correspondentes ao Ano Platônico, numa linha de transmissão de conhecimento sigiloso que se estendeu até o profeta João de Patmos, no qual fica claro o conhecimento da sucessão das Eras, tal como se vê no profeta Daniel, e do Fim da Era do Ferro como o encerramento do Ano Platônico e o início da Era de Ouro.
Pode-se conjecturar que a transmissão desse conhecimento discreto, como conhecimento interno e de uso profético, tenha se dado através de documentos específicos, de uso restrito, mas que se perderam com as destruições do Templo de Jerusalém, e através de uma espécie de código numérico escondido em diferentes narrativas do Antigo Testamento, como os supracitados capítulos de Gênesis e determinados textos proféticos, como os de Daniel. Esse código, instalado nas entrelinhas de determinadas seções do Texto Sagrado, guarda proporções e fórmulas identificáveis pelos iniciados e úteis, na carreira profética, para o estabelecimento dos oráculos. Além disso, deixa patente uma visão cosmológica altamente requintada e presente nas Escrituras: o Deus Criador, Criador e Destruidor de Mundos, segue um plano preciso para a definição das Eras e dos Tempos, que é segundo a Sua Vontade na Obra da presente Criação e da perspectiva da Nova Criação e que está desenhado no próprio plano astral, no circuito zodiacal. Não sem razão, por exemplo, a imolação do Cordeiro por Abraão, que abre à Era de Israel, abre a Era Zodiacal do Cordeiro, a qual dura 2 milênios, até a imolação do Cordeiro de Deus, Jesus Cristo, desde a qual esteve aberta a Era de Peixes, a Era Cristã, cujo fim já nos é conhecido e tem dado espaço à Era de Aquário, num processo de transição de Eras, de Fim da Era Cristã e de aproximação da Era de Aquário, que deve ser visto como período de degeneração, de decadência e de confusão compatíveis com a vigência do Reino do Anticristo e com o termo do Tempo que Resta — até que Cristo empreenda, junto de Suas hostes, a derradeira Batalha Cósmica, derrotando Satã e fazendo descer a Nova Jerusalém.
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 26 de junho de 2024.