O Corpo Espiritual — Suporte para a Visão de Deus
Estudos em escatologia
Amados, agora somos filhos [tekna] de Deus, mas ainda não se manifestou [ephanerōthē] o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar [phanerōthē], seremos semelhantes [homoioi] a ele, porque haveremos de vê-lo [opsometha] como ele é. — 1 João 3:2
Quando li essa passagem recentemente, saltou-me aos olhos o seu argumento: somos filhos [geração] de Deus, todavia não assumimos de todo a nossa natureza última, que é a semelhança de Deus, mas quando pudermos ver o Criador diretamente, na Sua manifestação plena, teremos sido feitos Sua semelhança, porque só sendo como Ele é que poderemos vê-Lo como Ele é. Essa é basicamente a exposição doutrinária do apóstolo Paulo em 1 Coríntios, como podemos notar no capítulo 13, versos 10 e 12:
… quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado
…
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
Nesses versos, está sintetizado o mistério paulino a respeito do Corpo Espiritual [Soma Pneumatikon], como superação do Corpo Carnal, ou Psíquico [Soma Psychikos], sendo este destinado, em função de sua perecibilidade, à total aniquilação, para a sua ressurreição em Corpo Glorioso, à luz do Corpo do Cristo Ressurreto, que será imperecível, a perfeita forma ou a realização em ato de toda a potência criatural humana. O Corpo Carnal é, veja bem, só o gérmen do Verdadeiro Corpo, que é segundo a natureza da Jerusalém Celestial e dotado de qualidades que o permitam habitar, sem ser destruído, diante do Trono de Deus, que está no Aravot [1 Coríntios 15]. O apóstolo Paulo segue de perto o evangelista João: primeiro fomos semeados em corpo mortal, que é a condição de nosso encontro com Cristo; o Cristo Encarnado morreu e, assim como Ele, nós morreremos; mas Ele ressuscitou em Corpo Glorioso, ou Corpo Espiritual, de maneira que Ele é as Primícias dos que Dormem, e os santos de Deus, em Jesus, serão todos igualmente ressuscitados em Corpo Glorioso na Sua Vinda. É a essa Sua Vinda, na nuvem de glória, que João se refere quando fala da manifestação de Deus — que é total em Cristo, em Quem “habita corporalmente a plenitude da divindade” [Colossenses 2:9]. Como diz Paulo nessa passagem aos colossenses, morremos a morte de Cristo e, pela fé, ressuscitamos a Sua ressurreição no símbolo do batismo, que é promessa de Deus da verdadeira e vindoura ressurreição, em Cristo, dos santos mortos, à semelhança de Deus pela semelhança do Corpo Espiritual de Cristo, que será, nos santos, como é no Filho, o Primogênito, porque Ele é o Arquétipo, ou a fundamento de todas as coisas, que são sombra de Seu Corpo, a Realidade [Colossenses 2:17].
Todas as coisas foram feitas através dele, e, sem Ele, nada do que existe teria sido feito. — João 1:3
Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. — Romanos 11:36
De fato, o Homem Arquetípico, o Segundo Adão Glorioso, o Cristo, é a manifestação aos homens da plenipotência de Deus, e é Ele também a realização das expectativas gentílicas, que não puderam encontrar bons termos antes da apresentação da doutrina do Senhor por Paulo em Atenas, segundo se lê em Atos 17. Ali, o apóstolo argumenta aos filósofos, por meio da citação de dois de seus poetas, Epimênides e Arato, que os homens, geração [genos] de Deus, buscaram, tateando no escuro, pelo Deus Desconhecido que ele então lhes apresentava e que jazia, em monumento, bem debaixo de seus narizes: esse Deus Desconhecido não pode ser obra de imaginação humana, nem de artifícios idolátricos de forja e escultura, tampouco tem formas animais [Romanos 1:23], porque Ele, criador do homem, não deverá ser obra humana, que é sempre menor do que o próprio homem, e na realidade é o homem que é, em potência, semelhança d’Ele, e deverá sê-lo em ato a partir da aderência à Sua ressurreição pelo arrependimento e pela conversão.
… a visão da plenitude da glória de Deus, a visão direta de Deus em Cristo, é a manifestação plena do conhecimento [disponível] de Deus ao homem, porque Ele É o que É
Outro aspecto daquilo que lemos em 1 João 2 é da ordem do Intelecto, porque o Corpo Espiritual é todo ordenado para a excelência visionária da habitação eterna diante da glória de Deus. Isso significa que o Corpo Espiritual é especialmente aparatado tanto para suportar fisicamente o resplendor do Criador [compare com Êxodo 33:18–23 — Moisés não pôde ver a Face de Deus, mas, adentrando na “glória parcial”, teve seu aspecto físico alterado], quanto para contemplá-Lo. Nesse sentido, a contemplação de Deus em toda a Sua glória é idêntica à revelação graciosa ao Intelecto do objeto último de todas as suas aspirações, porque o Intelecto, por sua natureza, aspira ao Absoluto, apreendendo a Totalidade para além das coisas visíveis e dos particulares, e se a reabilitação do Espírito pelo Espírito Santo liberta o homem da ignorância, abrindo sua visão, via Revelação, ao Cristo, Deus Feito Conhecido, permitindo com que pare de tatear no escuro, em Corpo Espiritual o homem não apenas terá o Cristo em experiência visionária [como Estêvão e Paulo] ou compreensão Intelectual em termos de convencimento, mas estará na presença literal e plenipotente do Deus Filho, imerso na glória, sem mais vê-Lo por espelho, mas face a face, e não será fulminado. Isso significa que esse “ver a Deus” é, de fato, visão espiritual em sentido também intelectual, mas como manifestação face a face do objeto último das inclinações do Intelecto, o que deixa subentendido, ao fim e ao cabo, que o acesso direto à glória de Deus está ligado à perfeição moral do homem, que não será mais portador de nenhuma das marcas da Morte, do Reino da Perecibilidade, ou do Pecado — nem física, nem espiritualmente, porque ressurreto em Corpo Espiritual, não discernível em termos da dualidade corpo e espírito, já que de natureza nova e inimaginável. Doutra maneira: a visão da plenitude da glória de Deus, a visão direta de Deus em Cristo, é a manifestação plena do conhecimento [disponível] de Deus ao homem, porque Ele É o que É.
Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho, e aquele a quem o Filho o desejar revelar. — Mateus 11:27
Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo. — 1 Coríntios 2:16
A Vinda de Cristo na nuvem de glória, quando todos os santos e mártires serão ressuscitados em Corpo Espiritual, está descrita em Lucas 21:25–28, Apocalipse 19:11–21 e 2 Pedro 3:10–13, que segue:
Porém, o Dia do Senhor virá como um ladrão. Naquele dia os céus passarão com grande estrondo, e os elementos se desfarão pelo fogo. Também a terra e as obras que nela existem desaparecerão.
Uma vez que tudo será assim desfeito, vocês devem ser pessoas que vivem de maneira santa e piedosa, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus. Por causa desse dia, os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos se derreterão pelo calor.
Nós, porém, segundo a promessa de Deus, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita a justiça.
A manifestação de Deus em Cristo Jesus, na Sua Vinda, representará a aniquilação completa de tudo quanto pertença à Velha Criação — num instante, num átomo, “ao som da Última Trombeta” [que é aquela da ressurreição dos mortos — 1 Coríntios 15:52], a inteireza daquilo que não puder suportar a plenipotente glória do Senhor será abrasada, desfeita, tornada, de pronto, inexistente [porque perderá o dom divino da Existência], e cairá no Lago de Fogo simultaneamente ao levantamento dos mortos, que estarão se firmando sobre suas pernas. Noutros termos: a Vinda Cristo manifestará o Corpo Glorioso de todos os santos e mártires, como se fossem retirados [revelados por manifestação ou iluminação] do Caos e do Abismo pela Luz do Verbo [uma imagem cosmogônica] — esses, os santos de Deus, imperecíveis, suportarão a Glória do Deus Filho e poderão conhecer ao Senhor no mesmo instante em que O virem, porque O verão justamente por serem Sua semelhança. Dito de outra maneira, será na Sua Vinda que os bodes e os cordeiros se separarão [Mateus 25:31…], e os que forem fulminados haverão de ser de pronto lançados ao Inferno, junto de Satanás e de suas hostes, e sofrerão infindáveis tormentos incorpóreos — porque o corpo mortal e perecível, desfeito, não encontrou ressurreição.
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 22 de Agosto de 2023.