O Segredo que Paulo Descobriu
Outro estudo em Filipenses 4
A exposição do apóstolo Paulo no capítulo 4 de Filipenses tem um sentido preciso: assim como a igreja de Filipos recorrentemente foi propícia ao apóstolo em momentos de singular necessidade, instrumento de Cristo e sinal da bondade de Deus para com ele, deveria atentar para as necessidades internas de seus membros, alguns dos quais inquietos, certamente desesperançados, e outros desencontrados, divididos. Para as inquietações, que se amparassem em dedicada oração, pondo diante do Senhor todas as suas necessidades, além de se lembrarem daquilo que Deus já havia feito em suas vidas, reafirmando a esperança na Sua fidelidade à Promessa. Para os problemas internos da igreja, que fossem efetivos praticantes da Sã Doutrina e equânimes, ou moderados, na lida com questões tais — o termo grego para “moderação” tem o sentido de adequado, propício, o que quer dizer “justo” num sentido que é conforme o espírito da lei de Deus, não exatamente conforme a letra fria (lembre dos fariseus), dando ampla margem para o amor. Deveriam, pois, ser mutuamente tolerantes, como o apóstolo também recomenda aos cristãos de Colossos:
Tolerem uns aos outros e também perdoem uns aos outros se algum de vocês tem alguma queixa contra alguém. Assim como o Senhor lhes perdoou, vocês também devem perdoar uns aos outros. E acima de tudo isto, tenham amor, pois o amor une perfeitamente todas as coisas. — 3:13–14
Para finalidades tais, Paulo observa a utilidade do amor que os filipenses estavam renovando em favor dele. Naturalmente, o apóstolo, sendo agraciado com amparo material e afetivo e recebendo o consolo da amizade de Epafrodito, só podia regozijar dos cuidados de Deus dispensados através dos cristãos de Filipos. Ainda assim, por perceber as inquietações e a desesperança de seus amados irmãos, faz questão de afirmar que poderia suportar a severidade de suas prisões mesmo sem a graça dos donativos entregues por Epafrodito, porque aprendera, ao longo de sua caminhada com o Senhor, a estar feliz e a ter paz, aquela paz “que excede todo o entendimento”, em toda e em qualquer circunstância. Sempre disponível às bênçãos de fartura, Paulo jazia igualmente aberto às fomes e às necessidades, no caso de ter que padecer delas. Por isso alegrava-se dos benefícios dispendidos pelos filipenses, mas entendia que conseguiria passar pelo cativeiro mesmo na máxima miséria, de modo que se alegrava principalmente pelos próprios filipenses, e não pelo que deles recebera: a sua circunstância despertara neles notável piedade, aquecera seus espíritos segundo ao espírito de Cristo, dando-lhes ocasião, através dos sofrimentos de Paulo, para intensificarem o amor uns pelos outros e, do exemplo de seu modo de enfrentar o cárcere, reavivarem a confiança nos cuidados de Deus.
Sempre disponível às bênçãos de fartura, Paulo jazia igualmente aberto às fomes e às necessidades…
A atenção que os cristãos de Filipos dedicaram ao seu querido apóstolo em prisão serviu de oportunidade para que seu “irmão mais velho” lhes ensinasse uma preciosa lição, porque Epafrodito era-lhes a testemunha de com qual honradez Paulo aderia às algemas: qual o segredo dele para ser capaz de lidar tão bem com tantas adversidades? De fato, Paulo afirma ter aprendido “o segredo”, ter encontrado a chave que o capacitou para isso. E quando diz “segredo”, ele faz uso do grego “mueó”, único no Novo Testamento, o que é altamente significativo. Um único uso deve indicar uma intenção muito específica. Portanto, uma vez que esse termo era empregado pelos gregos em referência aos seus mistérios sagrados, ocultos aos não iniciados, o que o apóstolo está pretendo dizer é que esse “segredo” que ele aprendeu é um conhecimento oculto, inacessível ao homem natural e disponível apenas aos nascidos de Cristo, e o “segredo” é, pura e simplesmente: “Tudo posso naquele que me fortalece.” — v. 13
Paulo estava, pois, adaptado para qualquer circunstância porque seu coração e sua mente estavam guardados por Deus em Cristo, por meio de Quem ele tudo podia suportar. Daí seu regozijo pelos filipenses ser maior por ver na atitude deles uma boa disposição — “No entanto, vocês fizeram bem, associando-se comigo nas aflições” — do que por necessidade pessoal. A capacidade de todas as coisas suportar em Cristo emerge da compreensão de que somos, por Ele, de antemão vitoriosos, de maneira que não há nada que os homens possam fazer contra nós, e nenhuma medida de mal diário, que nos torne efetivamente vítimas. O cristão não é vítima de nada porque ele assume todas as dificuldades voluntariamente, e mesmo as humilhações às quais possa ser submetido são ressignificadas em Jesus, como imitação de Sua própria humilhação (Fp 2:8) e como estímulo para santificação pessoal e aprofundamento do relacionamento com Deus, que, por meio dos sofrimentos, instrui o crente na percepção de quão pouco ele realmente precisa — o Unum Necessarium é Cristo (Lc 10:42) — e do quanto, em Jesus, ele pode suportar — do quão forte ele pode ser na fraqueza!
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 10 de julho de 2024.