O Tempo Mau
a aceleração do cronos e a sombra da Morte
Lipovetsky (2011) atribui certos aspectos da hipermodernidade à soma da velocidade da passagem do Tempo, sentida também na velocidade da propagação da informação pelo Espaço, com a incerteza sobre o futuro, já que as grandes narrativas ideológicas, sucessoras daquelas das religiões tradicionais, perderam seu apelo. Mesmo a perspectiva de progresso vai se tornando mórbida, pois não se confia mais no seu significado: progresso tecnológico e científico para diminuição da liberdade e da soberania individual? Progresso material para a dissolução da comunidade local? Progresso para quem, ou para onde? Daí o vislumbre crescente de todo o tipo de distopia junto de fugas utópicas (cada vez menos críveis) e da necessidade, sem raízes no passado e sem uma imagem clara de futuro, duma imersão na indeterminação, visando uma ruptura ontológica do Self, que vai às raias do Caos, para que um Eu indefinido e maleável seja suficientemente flexível para se adaptar a qualquer futuro que seja, quando as névoas do amanhã se dissiparem e sua forma se revelar — se tirânica, se materna. Ao fim e ao cabo, o que temos aqui é um forte espírito escatológico, mas sem Deus, donde niilista.
A velocidade do Tempo, que passa à galope e que cruza o Espaço em instantes, sem um vislumbre do Fim, da Nova Jerusalém, traz consigo uma apreensão metafísica. O Tempo que passa rápido em direção ao Paraíso é um Tempo Bom. O Tempo que passa rápido e que vai na direção das sombras é um Tempo Mau. O Tempo Ligeiro, que atravessa as terras levando morte e velhice, é um tempo qualificado como enfermo. O cavalo assumiu esses caracteres ctônicos: vai rápido, e vai ceifando vidas, conforme o Tempo se acelera (DURAND, 2012). No Apocalipse, cada um dos Quadro Cavaleiros porta algo desse dinamismo cadavérico: a Potência dominadora, a ferocidade explosiva da Guerra, o alastramento relâmpago e sem fronteiras da Peste, a fome assombrosa da Morte, que engole montões de corpos frios numa voracidade insana.
Todos nós sentimos que o Tempo está passando mais rápido, e o Tempo veloz sem a Cidade Santa no horizonte é, sempre, o Tempo do Abismo
Existe nos nossos dias um espírito de desolação e de insegurança com relação ao futuro. O Tempo que vemos é o do Crono grego, tenebroso e homicida, que rói, mastiga e ingere seus filhos. O Tempo que vemos é aquele que, veloz e indiferente, se nos chega engolindo as terras e as vidas, levando tudo ao Caos e ao Vazio. Todos nós sentimos que o Tempo está passando mais rápido, e o Tempo veloz sem a Cidade Santa no horizonte é, sempre, o Tempo do Abismo, pois com ele o que chega mais rápido é a Morte. Só.
“Se aqueles dias não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria; mas por causa dos escolhidos serão abreviados aqueles dias” — Mt 24:22
DURAND, Gilbert. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
LIPOVETSKY, Gilles; CHARLES, S. Os Tempos Hipermodernos. São Paulo: Edições 70, 2011.
Texto de Natanael Pedro Castoldi redigido para este perfil em 18 de maio de 2021.