Os Falsos Mestres e as Doutrinas de Demônios

A raiz das ideologias vigentes e das teologias “peculiares”

Natanael Pedro Castoldi
7 min readJul 18, 2023

A profusão do Engano é um imperativo do Tempo Escatológico, ou do Tempo da Paróquia, e é esse o contexto da Epístola de Tiago, o Justo, dedicada às Doze Tribos da Dispersão, símbolo da condição peregrina dos cristãos do Mundo, em vista do Reino Eterno. O sinal escatológico do Engano é análogo ao drama de Babel, da confusão das línguas, e tem na Igreja e no sinal do Dom de Línguas, também escatológico, o seu oposto — por isso o apóstolo Paulo, quando repreende e instrui os cristãos de Corinto, se ocupa em afirmar que o Dom de Línguas vem para trazer unidade e edificação, por meio do culto ordenado, ao Corpo de Cristo, não dissipação, de maneira que os cristãos, mesmo dispersos por toda a Terra, entre as muitas línguas que saíram de Babel (conforme o imperativo da Grande Comissão), são unidos no Corpo Místico e recebem do Espírito Santo as “novas línguas”, vencendo a barreira linguística para a o anúncio universal da Boa Nova. A Epístola de Tiago, na medida em que alerta para o Engano, vem para orientar e encorajar os cristãos do Mundo nesse Tempo do Fim, marcado pelas investidas dos inimigos de Deus e da Verdade.

Nesse sentido, devemos compreender que a unidade do Corpo de Cristo, conservada pelo combate ao Engano, é uma unidade baseada não apenas na capacidade de falar uma “mesma língua” em sentido literal, mas também na capacidade de falar uma “mesma língua” em sentido espiritual. Quando ele alerta os cristãos do Mundo à precaução quanto ao desejo de ensinar à congregação no culto público, ele pretende proteger a Sã Doutrina. Em 2 Timóteo 4:3–4, Sã Doutrina é “hygiainousēs” e diz respeito ao ensino, “didaskalias”, razoável e saudável, no sentido de incorrupto e puro — o que quer dizer: não misturado ao Erro. O mestre, “didaskalos”, é aquele que está instruído no “ensino puro”, na plena Palavra de Deus, e qualificado para ensiná-la adequadamente aos crentes. Os mestres, ou doutores, se alinham aos apóstolos, profetas, evangelistas e pastores na edificação do Corpo, unido, neste caso, na Sã Doutrina, que é, por conseguinte, a “linguagem universal” dos cristãos — aquele “cristianismo básico”, a espinha dorsal de toda a comunidade, em qualquer lugar do Mundo, que se queira cristã. A “confusão de línguas” seria, aqui, a mistura do Erro dentro da Doutrina, contaminando-a de maneira que já não pode mais ser Sã.

Aqueles que poluem a Doutrina são chamados de Falsos Mestres ou Falsos Profetas, “pseudoprophétés”, artífices de fábulas, “muthus” = mitos (2 Timóteo 4:4). O sentido de “muthus” no Apóstolo Paulo é o de uma construção particular, arquitetada na mente do homem, que se vale de uma forma verdadeira para introduzir nos ouvintes um conteúdo falso — como vemos em 2 Timóteo 3:5 sob a ideia de “aparência [‘morphósis’] de piedade”, o que nos remete aos “sepulcros caiados” de Mateus 23:27. Disso apreendemos que a Falsa Doutrina, ou o Erro, não é uma mentira descarada, escandalosa no sentido de evidente, mas um artifício ardiloso, que se vale da estrutura e dos termos da Sã Doutrina para validar para si e para o público algum tipo de desvio, inicialmente sutil e decorrente de uma ligeira mudança de sentido ou de lugar num ou noutro termo fundamental. Os Falsos Mestres não são como os Mestres, Doutores da Igreja, que ensinam localmente em conformidade com a Revelação e a Doutrina Comum, mas são como “doutores particulares”, que se aproveitam das oportunidades abertas pelos neófitos ou concupiscentes para dizer-lhes o que querem ouvir, dando-lhes pretextos e justificativas “bíblicas” para darem vazão às suas paixões e inclinações obscuras. As palavras dos “Doutores Daemoníacos”, brotando de seus corações vis (Mateus 12:34), semeiam dúvidas, incendeiam a imaginação e excitam as más vontades de seus ouvintes. Assim, os Falsos Mestres, militando contra a unidade do Corpo de Cristo, juntam pequenos sectos ao redor de si, como que facções inflamadas por suas palavras, que atiçam os seus desejos da carne, geralmente em oposição frontal ao Ensino Comum e à Igreja Local, que é o lócus do Mestre. Naturalmente, tal como o Falso Ensino é astuto e covarde, distorcendo a Palavra através de tenebrosos olhos carnais, a atuação do Falso Mestre é inicialmente fingidora — tende a não dizer as coisas com clareza, se protege atrás de indefinições e jogos retóricos e vai “comendo pelas beiradas”, indo pelas casas em sua semeadura de confusão e dissipação rebeldes, solicitando votos de fidelidade e segredo, quando não tem um púlpito para si. Se tiver um púlpito, então sua igreja será “sinagoga de Satanás”, acéfala, já não pertencente ao Corpo Místico, porque desgarrada do Ensino Comum, ou da Sã Doutrina. Essa será uma “comunidade concupiscente”, da “epithumia”, uma vez arregimentada ao redor de um desejo apaixonado, desenfreado, de uma obsessão desviante condicionada por inclinações pecaminosas, de favorecimento dos apetites do “corpo da perecibilidade”. Formam-se dessa maneira as seitas e as heterodoxias, porque a rejeição da Verdade se articula artificiosamente, de maneira sofismática e altamente “racional”, para dar vazão a interesses outros, egoísticos, que não podem ter relação com a Verdade, já que não têm fonte no Espírito.

A Falsa Doutrina, portanto e em suma, é uma inseminação do Erro na Forma da Verdade — a mistura das águas (Tiago 3:11) e a mistura dos frutos (3:12). Essa é a obra de Satanás, o Pai da Mentira, que torna a Verdade em Mentira e produz, da Doutrina, o Engano — porque, ao fim e ao cabo, nem a fonte pode produzir duas águas, nem a árvore pode produzir dois tipos de frutos. Por essa razão, os Falsos Mestres são inspiradores de Doutrinas de Demônios, porque conduzidos por Espíritos Enganadores, que infundem naqueles que lhes dão ouvidos, como o Apóstolo Paulo alerta em 1 Timóteo 4:1–3. Convém considerar que uma imagem antiga para os demônios é o “vento” — Satanás é o Príncipe das Potestades do Ar, operante nos “filhos da desobediência” (Efésios 2:2) -, donde o peso da passagem que está em Efésios 4:14, quando se diz dos inconstantes na Fé que são movidos por “todo o vento de doutrina”, sempre enganados por homens astuciosos, por isso afastados da unidade do Corpo. É o que se fala em Judas 19 dos Falsos Mestres: eles mesmos se separam, tornando-se “professores de si mesmos” e levando consigo aqueles que seguem os seus falsos ensinos. É notável como esses Falsos Mestres, sendo dados a opiniões fortíssimas e inovadoras sobre temas fundamentais e inequívocos da Fé, tendem à irreverência satânica, falando vulgarmente, sem humildade e com uma autoridade que não possuem sobre as coisas espirituais, embora sejam delas ignorantes e cegos, porque carnais — “sabem tudo”, não conhecem o Mistério de Deus e ousam querer ensinar publicamente, sempre de maneira inflamada, as suas certezas tolas, por isso, supostamente “corajosos”, impressionam a muitos. Mas nem mesmo o Arcanjo Miguel se atreveu a proferir vitupérios a Satanás, deixando ao Senhor a repreensão do Querubim Caído — todavia, o “Gian de Taubaté” quer “pisar no Cão”, assim como pisa nas Coisas Santas, porque a maior de todas as inspirações demoníacas dentro da Fé é a vereda humanista e antropocêntrica, o Engano por excelência, e o Diabo ri-se daqueles que o desprezam.

A Igreja deve combater as Falsas Doutrinas e o Engano como combate as “potestades do Ar”

A Igreja é convocada, no Tempo do Fim, a combater o Engano, entendendo que a sua luta é menos política, social e ideológica do que contra os principados e as potestades do Ar, contra o Diabo e suas ciladas, contra “esse sistema mundial em trevas” (Efésios 6:12), o que quer dizer, também, contra toda a inflamação política, social e ideológica que queira se valer da Sã Doutrina e sequestrar a Igreja de seu chamado escatológico e da Economia da Salvação em favor da Economia dos Homens e dos interesses “desse sistema mundial”. São concupiscências as paixões desenfreadas pela “carne e sangue”, pelas questões “deste século”, cujo deus tem cegado o entendimento dos descrentes, para que não sejam mais capazes de encontrar a Glória de Cristo através da Luz do Evangelho (2 Coríntios 4:4), pervertido por distorções satânicas, baseadas em apetites e inclinações meramente humanas. A Igreja deve combater as Falsas Doutrinas e o Engano como combate as “potestades do Ar”, porque é Satanás o Mentiroso e o Enganador que tem semeado, pelos Filhos da Desobediência, fábulas engenhosas dentro e fora das igrejas, trazendo confusão de línguas, desarticulação do Corpo, escândalos, apostasias e dessacralizações — porque torna Cristo meramente um “sábio” ou um “cara legal” (ou um arquétipo de “evolução espiritual universal”), a Escritura em uma “obra humana” e a “salvação” em um assunto estritamente moral e humanitário, donde o “pecado” já não mais pode ser ontológico (assim, impedindo que os incrédulos reconheçam a Boa Nova).

O combate do Engano vem com o discernimento espiritual da presença dos Falsos Profetas e dos Falsos Mestres (1 João 4:1) e com a insistência no ensino da Sã Doutrina, que acompanha a exposição pública dos Falsos Mestres e de suas Falsas Doutrinas, assim como o seu isolamento do Corpo (1 Timóteo 5:19–20 e 2 Timóteo 3:5), “salvando” alguns daqueles que foram enfeitiçados pelo Engano através do mesmo discernimento espiritual, para que sejam resgatados do fogo do Inferno, sem todavia serem tratados com complacência ou paparicados como meros coitados — pelo contrário, que até suas “túnicas manchadas de sangue” sejam odiadas (Judas 22–23), para que as escamas de seus olhos caiam e possam ver a Luz e para que vistam novas vestes, branquíssimas (Apocalipse 3:18). Ademais, quanto a nós, os santos em Cristo, permitamo-nos a disciplina de Deus, que é corretiva e santificadora, e exortemo-nos uns aos outros, impedindo que Engano e o Pecado endureçam nossos corações e que nos desliguemos do Corpo, caindo no Império das Trevas (Hebreus 3:13, 10:25 e 12:5–15).

Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 14 de julho de 2023.

--

--

Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

No responses yet