Os Problemas da Fraqueza
Uma analogia com os chimpanzés
Com uma mente modularizada, os chimpanzés têm módulos cognitivos para regular a violência interna do grupo (hierarquia, rituais de lealdade, meios de derrubada do líder…), mas são incapazes de controlar a violência contra chimpanzés de fora do grupo, porque esses módulos são fechados. O único freio etológico que impede os chimpanzés, quando atacam outro grupo, é a equivalência ou a superioridade numérica da parte rival. Nesse caso, retrocedem imediatamente. Por isso, no que diz respeito à guerra, o desequilíbrio de forças em direção à superioridade é tanto um fator protetivo, quanto um estímulo ao ataque.
Nós não temos mais a habilidade de acessar os conteúdos etológicos de maneira imediata, mas sempre mediata, por meio de artefatos culturais
Não há nenhum módulo cerebral entre chimpanzés e humanos que possua alguma etologia para a paz com “os de fora”. Todavia, a mente humana é transmodular, de maneira que os módulos reguladores da violência interna podem, de algum modo, exercer influência sobre outros, chegando a identificar o “de fora” com os “de dentro”. Além disso, somos metarrepresentacionais, donde temos capacidades cognitivas de “combinar de forma criativa informação na longa, média e curta duração — tipicamente culturais — com fórmulas e conteúdos arraigados nas profundezas do inconsciente coletivo — etológicos, por definição — e, a partir disso, ter o potencial de produzir soluções adaptativas altamente sensíveis às menores mudanças do ambiente” (Daniel Barreiros — Ecologia, Evolução e Paz Social). Nós não temos mais a habilidade de acessar os conteúdos etológicos de maneira imediata, mas sempre mediata, por meio de artefatos culturais, como arquétipos, narrativas míticas e instituições, e é essa habilidade de informar a etologia com conteúdos culturais que nos possibilita duas coisas, impossíveis ao chimpanzé: nos sentirmos pertencentes a grupos vastos, conforme uma unidade narrativa comum (a ideia de Comunidade, de Nação, de Civilização), e identificarmos o estrangeiro, de alguma forma, conosco. Os chimpanzés, veja bem, não têm condições imagéticas para administrar grupos grandes, por isso os bandos sempre estão se dividindo em unidades novas e menores.
Nossas capacidades enquanto seres humanos, enraizadas na habilidade narrativa e simbolizante, superam o imperativo primata da divisão como elemento de pacificação interna, nos dando um instrumento pacificador exemplar para a vida em comum. Ainda assim, e isso se observa nas caçadas e nas guerras primitivas, a verdade de que a fraqueza de um grupo é um chamariz para o ataque e a pilhagem de invasores é incontornável. Não se trata apenas de um artefato cultural. A fraqueza, quando visível, estimula a violência daqueles que “não são dos meus”. Uma nação fraca não apenas está vulnerável: ela atrai a guerra contra si. Daí duas leis fundamentais para a paz entre povos: que cada um busque desequilibrar a força para o seu próprio lado, antes para dissuadir o potencial invasor do que para atacá-lo, e que haja, na medida do possível, um equilíbrio de forças, tal como vimos na chamada Paz Nuclear — porque a Paz, via de regra, não é a amizade entre as nações, mas a dissuasão mútua.
Por isso, acrescento, o segredo (para que o oponente não saiba da real fraqueza ou da dimensão da força) e a propaganda (que enfraquece o rival e amplia artificialmente o próprio poder) são instrumentos essenciais para a sobrevivência.
Texto originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 11 de março de 2022.