Quem Foram os Reis Magos?

Estudos em Teologia da Luz

Natanael Pedro Castoldi
6 min readDec 21, 2024

A partir de Heródoto, W. Barclay (Mateo I, El Nuevo Testamento Comentado), identifica os Reis do Oriente que visitam ao bebê Jesus como os remanescentes de uma antiga tribo dos medos chamada “Os Magos”. Integrantes do império Persa, em dado momento intentaram derrotar aos persas, mas foram repelidos. Desde esse empreendimento malogrado, Os Magos abandonaram a via política e militar e se converteram em uma tribo de sacerdotes comparável aos Levitas. Enquanto sacerdotes, ocuparam o lugar destacado de sábios e instrutores dos reis persas, doutos que eram em astrologia, filosofia, medicina e ciências naturais. O grego de Mateus 2:1 para “‘magos’ vindos do Oriente” é “magoi”, termo referente originalmente à tribo meda dos Magoi, vertida em uma casta sagrada que conservou aspectos tradicionais da religião tribal dentro da religião persa, certamente com fortes elementos zoroastristas.

Em Eliade (Mefistófeles e o Andrógino) fica notória a influência zoroastrista na religião dos Magos, sobretudo na chamada “teologia da Luz”. Os persas viam nas epifanias da Luz, principalmente no surgimento de uma Estrela sobrenatural, o sinal anunciador do nascimento de um Cosmocrata. No sistema mítico-ritual do culto de Mitra se antevê o nascimento do Rei-Redentor ou do Cosmocrata ocorrendo na caverna sobre a qual brilharia a Estrela ou desceria uma Coluna de Luz. Desde o Proto-Evangelho de Tiago e de Justino Mártir e Orígenes os cristãos reconhecem o nascimento de Cristo em uma gruta, e o ataque de Justino contra os iniciados nos mistérios mitraicos, que “se achavam no direito de realizar suas iniciações num lugar a que davam o nome de ‘speleum’” (Eliade cita Justino, p. 47), evidencia a semelhança entre o speleum e a gruta de Belém.

Uma lenda iraniana fala de Doze Reis Magos que viviam na redondeza do Monte das Vitórias e que, conhecedores dos secretos de Seth ligados à Vinda do Messias, todo o ano subiam à Montanha, e, rodeados de fontes de Água Viva e de frutos, se encontravam em uma gruta. Na gruta oravam por três dias em voz baixa, aguardando o aparecimento da Estrela. Finalmente a Estrela apareceu a eles sob a forma da Criança Divina, lhes dizendo para irem à Judéia. A Estrela os guiou pelo tempo de dois anos. Décadas depois, após a Ressurreição de Jesus, o apóstolo Tomás chegou até os Magos, no Irã, e eles lhe pediram para serem batizados. Posteriormente, tal lenda fora melhor desenvolvida na Crônica de Zuqnin, uma obra síria cujas raízes remontam a antes do fim do Séc. VI.

A luz se condensou na forma da Criança Divina…

Ali é dito que Adão ditara a Seth toda a revelação sobre a vinda do Messias e que Seth a depositara na Caverna dos Tesouros dos Mistérios Ocultos. Os seus “filhos”, os Doze Reis Sábios, “Reis, filhos de Reis”, do país de Shyr, receberem esse conhecimento diretamente de Seth, que lhes ordenou uma subida mensal na Montanha, e o corrente ingresso na gruta, até o cumprimento da profecia de Adão. Certa vez, divisaram uma coluna de luz sobre a qual se apoiava uma Estrela, e o brilho dessa Estrela era tão grande que eclipsava o de vários sóis. A luz da Estrela penetrou na gruta e, à semelhança do que se diz no Proto-Evangelho, tornou-a resplandecente. Os Sábios, convidados por uma Voz e seguindo a Estrela, nela entraram, de pronto ficando como quem não consegue ver nada, e caíram de joelhos lá dentro. A luz, então, se condensou na forma da Criança Divina, que a eles se apresentou como uma enviada do Pai Celeste. A Criança orientou aos Sábios que pegassem as riquezas que estavam na Caverna dos Tesouros e que viajassem, guiados pela Estrela, para a Belém. Em Belém eles encontraram uma gruta semelhante à Caverna dos Tesouros e testemunharam a repetição da teofania: a coluna de luz e a Estrela adentraram na gruta. Ouvindo a Voz, entraram também no recinto, dentro do qual viram deitada a Criança Gloriosa, aos pés de quem depositaram as suas coroas. A gruta se iluminou por inteiro e a Criança, o Filho da Luz, dirigindo-se a eles, os denominou como “Aqueles que receberam a Luz e são dignos de receber a Luz Perfeita”. No retorno para casa, um dos Reis viu “uma grande Luz sem par no mundo”, enquanto outro viu “uma Estrela que, com seu esplendor, obscurecia o Sol”.

Segundo Eliade, a reminiscência zoroastrista da lenda fica clara em alguns detalhes notáveis: as hierofanias luminosas, tão presentes no Zoroastrismo, cujo dualismo apregoa a tensão entre a Luz e a Escuridão; a Natividade dentro de uma gruta, como no culto mitraico; o nome do país dos Magos, Shyr, como corruptela de Shyz, a terra natal de Zoroastro; o Monte das Vitórias, no país de Shyz, como referência à Montanha Cósmica iraniana chamada Hara Barzaiti, uma verdadeira Axis Mundi, ou um legítimo Centro do Mundo. É no Umbigo da Terra que Seth, por conseguinte, escondeu a profecia de Adão sobre o Messias e é ali que a Estrela Sobrenatural, nascendo, anunciou o nascimento do Cosmocrata. Nas tradições iranianas, “o ‘xvarna’ que brilha acima da Montanha Sagrada é o sinal anunciador do Saoshyant, o Redentor milagrosamente nascido da semente de Zaratustra” (p. 50).

A imagem da Montanha Divina situada no norte — o Salmo 48:2 a identifica com Sião — está presente entre os cananitas e babilônios. Isso quer dizer que há, nas religiões do Oriente Próximo, uma conexão do Paraíso, ou Jardim Edênico, com a Montanha Cósmica e com o Palácio Divino ou o lugar do nascimento do Cosmocrator, também o Salvador do Mundo, que é a regeneração do Mundo efetivada pela entronização dele enquanto o Novo Rei do Império Universal — no sentido da Babilônia, da Pérsia, da Grécia, de Roma… segundo o esquema profético de Daniel. Não surpreende, portanto, que a tradição cristã, e já de maneira sutil no Evangelho — “do Oriente” -, tenha procurado os Reis Magos no Norte, o lugar da Babilônia e, ainda mais, da Pérsia. Entre os hebreus do Deserto, Sião está também no Norte, e acima de Sião, no Céu, está o Templo Celestial, assim como está o Éden. O Monte Tabor, o Monte Santo da Transfiguração fótica de Jesus, se localiza ainda mais ao Norte.

… a estrela Sirius esteve se erguendo no horizonte na mesma hora do pôr do Sol, de maneira que brilhava com intensidade ímpar…

A presença de Seth nas tradições supracitadas é igualmente interessante, porque remete a certas influências egípcias na astrologia praticada pelos Magos. A Estrela de Belém, das múltiplas possibilidades que podem explicá-la — desde a passagem do cometa Halley em 11 a.C. até a conjunção de Júpiter com Saturno em 7 a.C. -, pode muito bem ter sido o fenômeno astronômico que se estendeu entre 5 e 2 a.C., quando a estrela Sirius, conhecida pelos egípcios como Mesori, esteve se erguendo no horizonte na mesma hora do pôr do Sol, de maneira que brilhava com intensidade ímpar — “un resplandor espetacular” (Barclay) — por breves momentos, anunciando o nascimento do Cosmocrator, porque Mesori significa, em egípcio, “o nascimento de um príncipe”.

Aquele século “antes e depois de Cristo” esteve, de fato, impregnado de expectativas do nascimento do Cosmocrator. Um dos exemplos mais interessantes é o do imperador Augusto, “Salvador do Mundo”, elevado a um caráter “messiânico” de Criança Divina na Quarta Écogla de Virgílio. Na bacia do Mediterrâneo ora se disseminava uma estranha sensação de Fim de Era e de aurora da Era Dourada. Seutônio, pouco após Vespasiano, disse: “Estaba estabelecida y difundida en todo Oriente la antigua creencia de que por aquella época seria el destino de los hombres da Judea gobernar el mundo”. Tácito, por seu turno, disse: “Habia la convicción de que en esta época el Este [Oriente] cresceria en poder, y que gobernantes de origen judió adquirirían un imperio universal”. Enfim, Josefo, a respeito dos judeus: “Por aquella época uno de su raza se convertiría en el gobernante de todo el mundo habitado”. Não impressiona, por conseguinte, o impacto que a emergência da estrela Mesori no horizonte na hora do ocaso possa ter tido na imaginação dos ocidentais, como dos orientais, daquela época.

Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 21 de dezembro de 2024.

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Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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