Sobre a Emergência do Comportamento Antissocial

Em vista do caso em voga

Natanael Pedro Castoldi
3 min readMay 23, 2024

Os trabalhos do Dr. Samenow, sobretudo o Antes Que Seja Tarde e o A Mente Criminosa, evidenciam a existência do que ele chama de “personalidade criminosa”, a qual distingue, é bom esclarecer, do “comportamento criminoso”. Segundo Samenow, e aqui ele está em acordo com Szondi, Lorenz, Lobashevsky e até Jung (ao menos em um de seus artigos), casos excepcionais de frieza e de tendências antissociais virulentas e crônicas correspondem, via de regra, a predisposições inatas — a maioria das pessoas simplesmente não se tornará comportamentalmente criminosa (no sentido daqueles crimes universalmente conhecidos), pois não possui predisposições para tal (embora, é óbvio, virtualmente todos os seres humanos possam agir “de tais e tais” maneiras). O mecanismo de eclosão do tipo criminoso de personalidade (perdão pelo termo generalista) é análogo ao dos diversos transtornos de personalidade que se fundam em traços genéticos (podendo até se confundir com alguns deles [“personalidade” é um arranjo altamente complexo]): condições e pressões exteriores suficientemente fortes ou tragicamente propícias e em momentos críticos do desenvolvimento psicológico podem tirá-lo da latência — e uma vez que isso acontece, é impossível revertê-lo (até que a epigenética consiga provar o contrário), podendo ser contido apenas a um elevadíssimo esforço pessoal e coletivo.

O prognóstico, agora especificamente em Samenow, Lorenz e Lobashevsky, não conta com o recurso à “reabilitação”, em geral de tipo behaviorista, como principal instrumento na lida societária com o crime. As evidências demonstram que “reabilitações” tais raramente são bem-sucedidas, não porque ainda não foram encontrados os melhores métodos, mas porque o pressuposto behaviorista não se sustenta na realidade — para o comportamento criminoso inveterado a resposta não está na “construção social”, como se o homem fosse de todo produto do meio. Naturalmente, o recurso à “reabilitação” é importante e surte excelentes efeitos até mesmo naqueles diagnosticáveis com personalidade criminosa, mas esses efeitos, via de regra, dependerão de como a sociedade derredor está estruturada para garantir a inibição das tendências criminosas. Eis, então, o grande recurso, que é o mais antigo de todos: a personalidade criminosa, embora sempre presente em um percentual de todas as populações, pode ser contida e não progredir em comportamento criminoso, ao menos numa faixa desse grupo minoritário, se os mecanismos societários de contensão da violência estiverem funcionais — isto é: se as instituições que os articulam conservarem seu status e mantiverem seus efeitos moralizantes e ordeiros sobre a suma maioria dos cidadãos, alimentando o e retroalimentadas pelo consenso civil.

Um lar suficientemente bem estruturado é um fator primário na contensão de possíveis tendências antissociais…

É importante, por conseguinte, que os pais, na medida em que não é possível antever a existência de que tipos de predisposições inatas instam nos filhos, saibam ofertar amor e disciplina, com clareza, previsibilidade e coerência, no seio do lar, evitando a tirania opressiva deles por sobre os seus rebentos, mas também impedindo que o seus rebentos tenham ocasião de tiranizar sobre eles, oprimindo-os. Um lar suficientemente bem estruturado, especialmente quando bem vinculado à comunidade derredor (vizinhança, escola, igreja…), é um fator primário na contensão de possíveis tendências antissociais e na inibição do desenvolvimento do comportamento criminoso (com sorte, acompanhando a manutenção da personalidade criminosa no estado de latência). Isso é importante especialmente nos nossos dias, nos quais o predomínio político de certas ideologias tem estabelecido o solo mais fértil possível para a progressão da atitude antissocial, que tem sido encorajada já nos jovens pela permissividade e pela impunidade, se não por toda a sorte de recompensas, que são facilmente alcançáveis a um custo e a um risco mínimos. Deste ponto em diante, o trabalho do Dr. Dalrymple é fundamental.

As tendências antissociais transparecem muito claramente nas atitudes infantis, e existirão em todos os casos, todavia não podem ser confundidas com a expressão da individualidade e não devem ser reforçadas por omissão, submissão e superproteção caso se queira evitar uma formação de personalidade disfuncional ou desadaptativa, irascível, inflamável e egocentrada, a qual trará muitos problemas para a família e para a sociedade derredor e atrairá, no futuro, violência — seja da “sociedade” contra o indivíduo, seja do indivíduo contra a “sociedade”. Isso dependerá do que nele existir em gérmen.

Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 23 de maio de 2024.

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Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em antropologia e crítica literária. Casado com Gabrielle Castoldi.