Sobre a Forma Moderna dos Cultos Coletivos
Um estudo em antropologia e psicologia
Os estudos do antropólogo e psiquiatra William Sargant, expostos no A Possessão da Mente, aproximam os mecanismos psicológicos do frenesi dos shows modernos daqueles presentes nos cultos extáticos primitivos. Isso quer dizer que um show de multidão é, do ponto de vista fenomênico, idêntico a um culto tribal, na comparação do próprio autor. Nesse sentido, pode-se mesmo ver na euforia coletiva de algo como o “fenômeno beatle” uma espécie de possessão por um espírito comum à multidão, quando reunida, e ao grupo mais largo de “fãs”, quando distantes uns dos outros, mas comportamental e cognitivamente assemelhados pela experiência compartilhada anteriormente. E se pode atribuir isso a um “espírito” na medida em que o tipo de manifestação extática possui algumas características que o distinguem das possessões por outros “espíritos” — a diferença entre a loucura momentânea de um show de punk metal e de um show, mantendo o exemplo, dos Beatles. Isto se dá no mesmo sentido em que C. Jung pensa nos alemães das décadas de após a Primeira Grande Guerra estarem sendo ameaçados pelo “espírito” de Wotan, que finalmente eclodiu massivamente no limiar da e durante a Segunda Grande Guerra. Assim o são outros tipos de manifestação de loucura de massas de cunho ideológico, político e militante.
Digo essas coisas em vista de vídeos recentes que têm mostrado cantores entrando em estados de possessão durante seus shows, como se baixassem entidades — e de uma maneira que não apresenta distinções claras do que veríamos em cerimônias espiritualistas. Isto é assim, antes de tudo, porque a psique individual de um cantor popular que esteja dentro de um universo musical de ritmos e letras apelativos aos instintos mais elementares, como tem sido o caso dos estilos musicais mais preponderantes em nossa sociedade, não pode suportar a pressão da multidão e nem da figura obscura que tipifica enquanto animador ou ministro da multidão inflamada. Ali ele age como um medium, por assim dizer, e um canal de irradiação da euforia comunal e de infusão do “espírito” representativo do show que se realiza. Isso significa que ele está ali para ser a própria encarnação daquilo que se queira manifestar coletivamente — não raramente uma mente pessoal se dissolve num tal cenário.
… em cultos coletivos de importância internacional deve haver uma intenção de se aproveitar a “energeia daemoníaca” mobilizada pelas multidões reunidas…
Se considerarmos o conceito de feitiçaria enquanto a manipulação mecânica de mistérios e de forças profundas, sobretudo do homem, para o atingimento de finalidades identitárias, egoísticas e materialísticas, sendo essas as funções dos cultos de tipo espiritualista, é natural que imaginemos os shows massivos de nosso tempo, em muitos casos, como espécies de cultos coletivos e representativos de um estado mais geral e de uma tônica espiritual mais ampla e generalizada de um tipo de religiosidade neopagã — a qual, aliás, já se infundiu nos corações das massas e ora se apresenta, na prática, como a religião “geral” da sociedade ocidental contemporânea. Quer-se dizer com isso que, muito provavelmente, em cultos coletivos de importância internacional deve haver uma intenção de se aproveitar a “energeia daemoníaca” mobilizada pelas multidões reunidas como veículo para a dispensação de novas cargas de consagração aos “deuses” de nossa época, aos quais agrada esse tipo de sacrifício orgiástico. Quer-se dizer com isso, ainda, que os envolvidos nesses frenesis podem estar sendo cultistas passivos, ou incautos, e se prestando a uma fragilização contínua das estruturas de sua consciência e da circunscrição saudável do próprio Ego.
O papel desempenhado pela liberação dessas forças primitivas na implementação de uma nova ordem global já foi acusado há muito tempo por Fulcanelli (Finis Gloriae Mundi), que também alertou para os perigos envolvidos na presunçosa manipulação de forças que o ser humano apenas acha que conhece e que consegue dominar. Mas Tifão, uma vez liberto, pode mostrar-se indomável!
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 23 de setembro de 2024.