Sobre Alquimia, Gnosticismo e Doença Espiritual
Notas breves e intempestivas, portanto parciais
O Opus Alquímico, ou a Obra, na medida em que pretende realizar uma espécie de “absoluto” a partir da Matéria, deverá operar dentro da consideração dos opostos e dos inúmeros processos pelos quais se pode buscar a sua união — uma espécie de “elemento transcendental”, que é o que se deve obter criativamente da fusão dos elementos polarizantes. Os fundamentos das operações estão todos dispostos da Tábua de Esmeralda e, embora essas operações não sejam afirmadas pelos atuais conhecimentos e métodos químicos, donde os resultados pretendidos se mostram inalcançáveis em seu sentido literal, elas fazem sentido em termos metafísicos e lógicos, isto é: simbólicos, e sua riqueza de símbolos, capturada de todo um cabedal de tradições sagradas antigas e tratada e expandida segundo os princípios herméticos, vem dar estrutura a essas operações num tempo em que jaziam inacessíveis as atuais maneiras de descrever cientificamente os processos físico-químicos.
Nos umbrais da Era Moderna, os alquimistas exploravam uma nova maneira de abordar a Natureza, mas não dispunham dos recursos conceituais que, naturalmente, foram melhor elaborados apenas posteriormente. Seu ímpeto criativo é característico daqueles que perfazem a vanguarda de um novo Éon e que jazem precoce e parcialmente desligados do Mito corrente e coletivo, dispondo, por conseguinte, de um montante maior de “energeia”, desinvestida das projeções exteriores e objetivas do Mito societal e disponível para novos empreendimentos de ordem subjetiva e individualista, ou personalizada. Essa “energeia”, sob a nova constelação arquetípica e regida por um novo Mito nascente — portanto, apenas semiconsciente -, se projetará sobre novos objetos, sobretudo objetos “internos” deslocados, pois, nos elementos e nos processos alquímicos.
Na zona limítrofe do desconhecido, os alquimistas necessariamente estruturaram e geraram o simbolismo da Obra projetivamente…
O desinvestimento da “energeia” nos objetos comuns cria a disposição egoística de lançar-se solitariamente para além dos limites conhecidos ou socialmente aceitáveis, buscando novos receptáculos para os conteúdos psíquicos residuais e para o reordenamento da psique individual. Na zona limítrofe do desconhecido, os alquimistas necessariamente estruturaram e geraram o simbolismo da Obra projetivamente, como um espelho de processos internos da vida psíquica, que se tornaram mais inflamados e notórios na medida em que se intensificaram pela “recaptura” da “energeia” outrora dispensada extrovertidamente. É nesse sentido que a análise do simbolismo alquímico e dos seus processos se torna elucidativa para o entendimento do funcionamento infraestrutural da psique. Portanto, embora esses símbolos e seus processos não correspondam literalmente ao que atualmente se conhece na ciência da química, eles são eficazes indicadores de como funciona a psique, porque ela opera com uma lógica que é análoga à lógica da cosmologia, ou da metafísica: no território da imanência, no terreno da Natureza ou da Realidade, tudo está organizado logicamente, em sentido analógico, empático e opositivo, e encontra unidade substancial no Ser. Quando o alquimista pretende gerar, da Matéria, um transcendental, ele está pretendendo atualizar no campo do sensível o próprio substrato invisível da Realidade, para operar criativamente sobre a Matéria. Psicologicamente, uma vez que somos parte da Natureza, isso se refletirá na tendência de desenvolvimento da personalidade, chamada Individuação, pela qual são integrados à Consciência os conteúdos da Inconsciência, num processo que virtualmente, ou logicamente, culminará na “Consciência Total” — é evidente que essa é apenas uma previsão hipotética, na prática irrealizável. Não pretendo ser exaustivo nesse sentido, então encerro esta parte por aqui.
O Opus Alquímico é a imagem ou a síntese simbólica e intuitiva dos processos inerentes à Natureza…
O ponto é que todo o supracitado se refere ao funcionamento lógico da Criação, em seu sentido ontológico, jamais podendo atingir a natureza de Deus, o Criador. O Opus Alquímico é a imagem ou a síntese simbólica e intuitiva dos processos inerentes à Natureza, à Matéria e ao seu substrato invisível, mas não pode se referir ao Divino, que é opositor da Criação apenas no sentido de Sua absoluta transcendência, que é Espírito, mas não poder ser contrário a ela — o Criador não é contrário à criatura no mesmo sentido em que as criaturas são parcialmente contrárias entre si (do contrário não seriam individuais), porque Ele não compartilha a mesma instância da Criação, superando-a infinitamente, e é n’Ele, na Sua Vontade, que a unidade da Realidade se sustenta, e não em uma espécie de capacidade intrínseca e suficiente da própria Matéria, porque ela não pode superar a si mesma, como pretenderam os alquimistas — assim também a psique humana, que jamais poderá tornar-se Consciência Total, como um absoluto.
É uma falha de perspectiva gnóstica, como bem acusado pelo professor Olavo, desenvolver uma metafísica e uma teologia baseadas na experiência individual da vida interna e na experiência empírica imediata, da observação de si e da Natureza. É a partir dessa extrapolação da própria experiência até ao campo da Divindade, identificando-a como também polarizada e não simplíssima e absoluta, e impondo o mesmo simbolismo alquímico ao Criador, que os gnósticos, alguns místicos e os alquimistas introvertidos podem ser acusados de inflação egoica, regidos que estão, e em sentido unilateral, pelo imperativo da Matéria, com a qual a psique compartilha a lógica de suas operações profundas — doutro modo: a partir da qual ela opera na Natureza e segundo a Natureza.
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 22 de janeiro de 2025.