Sobre Economia Doméstica

Visões e princípios pessoais

Natanael Pedro Castoldi
5 min readSep 26, 2024

Uma coisa que eu defini com total clareza depois de formado e depois de casado é que a minha principal função ou papel, ao conferir a infraestrutura do lar, é trabalhar. Isto envolve claramente o trabalho doméstico da liderança espiritual, o que significa que eu devo cultivar minha alma para cultivar, junto de minha esposa, o gérmen da nossa futura família. Nesta operação está incluída a liderança moral, por assim dizer, a qual envolve um agudo discernimento dos limites espaço-temporais da prudência, para que se conserve o temor de Deus através do bom manejo dos “talentos” (Mt 25). Todas essas questões estão na primeira linha, mas não suprimem outra, que é a do empenho laborioso, de trabalho em seu sentido mais imediato.

Um princípio que assimilei é aquele que me parece o óbvio ululante, mas que vejo escasseando cada vez mais entre os pares da minha geração: trabalhar todos os dias, sobretudo nos dias úteis, é um imperativo ao homem adulto. Não há razão para não trabalhar, se trabalhar é possível. Essa mentalidade me impede de achar normal permitir-me gastar as horas diurnas de um meio de semana para entretenimentos baratos. Eu o digo, pois, como psicoterapeuta, tenho uma agenda alternativa e caseira, e isso poderia me levar a confundir muito as coisas. Gasto o meu tempo livre em estudos e escritos, quando não na resolução de demandas domésticas, mesmo quando trabalho até 22h. Ademais, mal algum há em trabalhar em tirões de até 12 horas de psicoterapias, com envolvimento de 13 ao 14 horas com meu trabalho — em hipótese alguma me permito queixar-me disso, porque é uma bênção, por mais exaustivo que seja.

Não há razão para não trabalhar, se trabalhar é possível.

Isto é assim por conta do primeiro princípio, de que trabalhar é um imperativo e ponto final, mas também pelo segundo princípio: eu, hoje, sustento quase por inteiro as contas da casa, que não são pequenas, mesmo que sejamos altamente econômicos, de maneira que seria extremamente vergonhoso para mim viver na berlinda, podendo eu estar trabalhando e suprindo com folga as necessidades minhas e de minha esposa, e tendo a oportunidade de continuar fazendo o “pé-de-meia”, que é a base de um futuro mais arejado e da viabilização das necessárias aquisições ainda por fazer, como a de um automóvel. Se eu posso trabalhar, trabalho, mesmo se as contas do mês já fecharam — mal não faz juntar algum dinheiro, já que devo trabalhar de qualquer maneira. Digo “trabalhar de qualquer maneira” num sentido que é diferente de não gerir bem e não potencializar o trabalho (é ao contrário!). Importa na sentença acima que eu prefiro evitar ceder demais à imaginação e à ambição, que já tenho pouca, e que valorizo mais a continuidade e a consistência do que aventuras profissionais e financeiras, em geral ilusórias e contraproducentes. Donde o meu ditado favorito, síntese de um terceiro princípio, para o espectro da prática ser: “de grão em grão, a galinha enche o papo”.

O trabalho contínuo, na sua medida diária, assumido em si mesmo e como dever cotidiano, dá resultado substancial ao longo dos anos…

O trabalho contínuo, na sua medida diária, assumido em si mesmo e como dever cotidiano, dá resultado substancial ao longo dos anos, de maneira que o interesse material nem precisa ser o prioritário, sendo ele uma consequência do zeloso cumprimento do dever e da vocação. Se o interesse material for desproporcional, suprimindo o imperativo do dever e o apelo vocacional, os apetites poderão se inflamar e certamente haverá destempero, emocionalismo, confusão de propósitos e desordem comportamental — isto é: inconsistência e autossabotagem.

Isso significa que eu não preciso, em absoluto, saber o que fazer ou ter uso previsto para o dinheiro para conservar um estilo de vida econômico e para trabalhar um pouco mais. Razão pela qual eu mantenho em mente que meu rendimento mensal segue mais ou menos como era há dois anos, baseando o uso dos recursos numa medida de “salário” muito menor do que é atualmente. Tenho com isso mais facilidade de evitar elevar desnecessariamente o custo de vida, permitindo os avanços quando eles se mostrarem necessários ou suficientemente interessantes — porque é mais difícil ter que retroceder no estilo de vida do que se empolgar demais e avançar insanamente. Felizmente estou sendo bem respaldado pela minha esposa em toda a mentalidade supracitada.

… a economia doméstica deve ser superavitária para comigo, mas não necessariamente para com os outros.

Falando nisso, como é bom para o homem, para que ele progrida espiritual — inclui-se moral — e materialmente, sentir-se responsável pelo cuidado da mulher que com ele decidiu compartilhar a vida. Porque, se eu simplesmente trabalho porque aceito que esse seja meu dever, e se eu sou tão econômico ao ponto de o excedente ir muito além das minhas próprias necessidades, nada mais gratificante do que poder dividir a renda com a esposa, enquanto ela pode enfatizar mais completamente os seus estudos universitários, e destinar o fruto do meu trabalho, somado ao dela, para bancá-los, e para possibilitar outras coisas boas a ela, que, naturalmente, tem mais necessidades do que eu — este é um quarto princípio: de regra, eu não devo dar demasiada ênfase a mim, e a economia doméstica deve ser superavitária para comigo, mas não necessariamente para com os outros.

Costumo brincar, em vista disso, que eu sei trabalhar, mas que não tenho exatamente o que fazer com boa parte da renda, e que se não fosse a minha esposa para me dizer, eu estaria sem saber onde gastar.

Brincadeiras à parte, é muito importante que o casal em idade produtiva esteja bem alinhado em termos de mentalidade também nas questões da lida financeira. E se essa mentalidade for saudável (os três S’s de Gracián: Santo, Sábio e Sadio), havendo um bom ponto de partida, é virtualmente impossível não prosperar.

Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 26 de setembro de 2024.

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Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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