Sobre o Abismo, Satanás e a Providência Divina

Um estudo em cosmogonia, cosmologia e escatologia

Natanael Pedro Castoldi
13 min readJun 15, 2024

um sistema cosmológico sobremaneira esclarecido na teogonia hesiódica. Nota-se ali, naquele que Burnet (A Aurora da Filosofia Grega) considera o grande conservador da cosmologia da “raça antiga”, uma magnânima mundivisão. A “raça antiga”, pois ocupara por milênios a Jônia e as ilhas egeias e galgou patamares civilizados autóctones análogos aos dos egípcios e dos babilônicos — essa cosmologia fora assimilada pelos indo-europeus do Norte, na medida em que dominaram as populações nativas, mas foram por elas largamente absorvidos. O que teremos em Hesíodo, mais do que em Homero, é a mais refinada expressão das conquistas especulativas da religião egeia clássica, decorrente de uma cadeia multissecular de obras sacerdotais. O seu temperamento Mediterrâneo, herdeiro da ancestral civilização Megalítica, põe a Terra como princípio ativo primordial.

Segundo Jaa Torrano (Mitos e Imagens Míticas), a Deusa Terra está posta como o fundamento inabalável desta Cosmologia — a matéria-prima preexistente, base de todo o desdobramento subsequente. Nota-se que não se pode falar, em termos míticos, de ordem cronológica — todos os elementos da teogonia são coeternos e descritos como nascentes segundo sua posição e sua função no Cosmos. A Terra a qual nos referimos enquanto Prima Materia não conhecia limites e formas, contendo dentro de si o seu inverso lógico, ou a sua imagem negativa: o Tártaro, que é o oposto de todas as qualidades fundacionais e inabaláveis da Terra (sem fundamento e queda sem direção e nem fim). Se dentro de si a Terra contém o Tártaro, em suas arestas é complementada por dois princípios opostos e complementares: Caos e Eros. Ambos são o “mecanismo” do processo cosmogônico, pois o Caos preside o princípio da cissiparidade (Kháos, “Cissor”) e o Eros preside o princípio da união (Éros, “Amor”).

Por agência do Caos, a Terra se cinde e dá origem a um deus de mesma natureza que a sua — o Céu vem primeiro, o seu Duplo, depois as Altas Montanhas e o Mar, como os três deuses separados da Terra. O Caos também se cinde em Noite e a Noite, por união amorosa com o Tártaro, dá nascimento ao Dia e ao Fulgor, além de toda uma linhagem maldita. Note como a percepção do negativo lógico, dialético, está aqui presente, como se a Noite carregasse em si o próprio inverso, o Dia, e o Tártaro gélido e escuro (Érebos, “Trevas”), a Luz e o Calor. Ainda por união amorosa, a Terra e o Céu geram os seis Titãs e as seis Titânides, os três Ciclopes e os três Centímanos, e da união amorosa entre os Titãs e as Titânides se tem início a Linhagem do Céu, os Deuses Luminosos, ou Olimpianos. Da união amorosa entre a Terra e o Mar vem a Linhagem do Mar, performada pelas gigantescas e solitárias monstruosidades marinhas, mas também pelas nereidas, representativas dos aspectos benévolos do Mar. Da união amorosa da Terra com o Tártaro nasce Tifão e sua descendência de monstros indomáveis e ventos destrutivos. Na Linhagem da Noite, filha do Caos, estão incluídas as formas negativas e deletérias, ligadas à privação, à fraqueza, à violência destrutiva… Daqui para a frente, a cosmogonia se resolve em longas disputas por soberania.

O mundo rupestre era o lócus hierofânico da “mãe universal”, um ingresso no Sagrado Primevo…

Um tal fundamento primeiríssimo, a Terra, é identificado por Kerényi em diversos motivos mitológicos gregos. Um exemplo notável é o dos mitos de Apolo e Hermes, das Crianças Divinas. No caso de Apolo, a sua ligação com Delfos, cuja etimologia remete ao golfinho — donde Apolo Delfínio -, chamado pelos gregos de “animal útero”, portador por excelência das Crianças Divinas, é incontornável. Delfos de fato significa “corpo materno entre as paisagens”, tal como Golfinho significa “corpo materno entre os animais”, e a paisagem rochosa na qual Delfos se localiza representa o símbolo mesmo do Princípio, da Origem Absoluta — “antes do ser, o não ser, depois do ser, a existência; aquele estado original do qual todo símbolo anuncia algo diferente e novo — uma fonte original de mitologemas” (Pesquisa Humanista da Alma). Nota-se como Delfos continha dentro de si um Santíssimo Lugar, considerado o “útero da montanha”, no qual se localizava o famoso betilo, ou ônfalo de Apolo — um análogo da Pedra Angular no Santíssimo do Templo de Salomão. O mundo rupestre era o lócus hierofânico da “mãe universal”, um ingresso no Sagrado Primevo, de antes do Tempo, sendo em Delfos que Apolo recapitula um dos aspectos mais antigos da Cosmogonia: abate a Grande Serpente, Píton, um monstro dos primórdios — à semelhança do que faz Marduque. Quanto a Hermes, a Criança Divina por excelência, ele nascera em uma caverna, a mesma na qual fora erguida a sua primeira herma, ou ônfalo — um local de qualidades rupestres, remetendo ao “caótico original da natureza”, um tipo de Delfos.

Essa visão do Mundo Primordial, da encosta da Montanha Rochosa, está patente no Sonho de Nabucodonosor, conforme a interpretação do profeta Daniel: quando a Pedra Celeste bate nos pés da Estátua dos Impérios e a derruba, nada sobra, se não a Montanha Eterna da qual a Pedra inicialmente se desprendera. Como sabemos do Sonho de Daniel ao redor das Bestas do Mar, correspondentes, cada qual, a um dos Impérios Mundiais da Estátua do Sonho de Nabucodonosor, a escatologia judaica reencontra as imagens dos Monstros do Mundo Primitivo nos Reinos da Terra, como se nelas operassem princípios decadentes do Caos Original, do Abismo. Daí o desenvolvimento da escatologia culminar n’algo como o combate apolíneo, da Criança Divina contra a Serpente do Abismo, a própria Ouroboros, sob a forma de Seu combate contra os Reinos da Terra, dominados pelo princípio abissal do Dragão de Dez Chifres e de Sete Cabeças. A iconografia cristã soube preservar impressões similares ao redor do ato do Nascimento de Cristo, o Salvador, no Ventre da Terra, na Caverna Primitiva, e entre a Animália.

Uma vez que o grande profetismo hebreu, conforme demonstra Barker, estava ligado à imagética do Templo de Salomão, porque os grandes profetas buscavam o interior do Santuário e do Santíssimo como o canal pelo qual, infundidos da Sabedoria, conheciam os oráculos do Senhor — alguns literalmente no Santuário, outros em Visão do Santuário, seja o Terrestre, seja o Celeste, como Isaías, Jeremias, Habacuque, Ezequiel e Daniel -, deve-se reconhecer na interpretação de Daniel da Pedra Celeste, desprendida do Monte Santo, a própria Pedra Angular do Santíssimo. Reforço: o ingresso no Santíssimo, de perfeito formato cúbico e recoberto de ouro, era como o ingresso no Ventre da Montanha, na Eternidade, na Luz, a Prima Materia Eterna do Um Dia, lócus privilegiado para o discernimento dos fundamentos da Criação e da trama de seu desenvolvimento histórico.

… deve-se reconhecer na interpretação de Daniel da Pedra Celeste, desprendida do Monte Santo, a própria Pedra Angular do Santíssimo.

A Arca da Aliança, o Trono Querubínico do Deus Invisível, estava disposta sobre o cume da Rocha chamada Pedra Angular e vista como Axis Mundi, porque subia dos Ínferos até o topo de Sião, o Monte Santo, sendo o Pedestal do Mundo e a Porta do Inferno, porque bloqueava as Águas do Abismo. O que se vê em Daniel é o topo do Monte de Deus, a espinha dorsal da cosmologia, que combate o Caos Oceânico e mantém a Ordem Cósmica, sendo lançado contra os fundamentos do Sistema de Trevas do Mundo em um novo combate cosmogônico — que ora é escatológico. É a Pedra Angular do Santuário que varre para o Abismo, ao ponto de não restar nada, toda a colossal obra do homens — cumprindo, assim, o terror gentílico de que o Templo de Salomão, habitado por YHWH, associado por eles a Saturno, Senhor do Abismo, devoraria todos os santuários pagãos. Note-se que na ocasião do Sonho de Nabucodonosor Jerusalém havia sido destruída e não havia mais Templo em Sião, mas permanecia o arquétipo celeste do Templo, no qual todas as peças de mobília e toda a arquitetura eram as mesmas formas ideais ou princípios cosmológicos dos quais as mobílias e a arquitetura do Templo de Salomão eram apenas indicativos, éctipos. A Pedra Angular do Santíssimo é um título dado pelos cristãos a Jesus Cristo, Deus Filho, o Fundamento da Criação, ou Logos Divino, que os sábios do Primeiro Templo reconheciam como a Sabedoria, tal como se vê em Provérbios 8.

A ênfase dada anteriormente à teogonia hesiódica foi para que se demonstrasse a sofisticação do pensamento mitológico antigo, conforme cotejado por milênios dentro dos santuários da Antiguidade — dessa maneira, aquilo que nos contam as narrativas míticas, conquanto tivessem formas populares cridas ingenuamente, desde o princípio são símbolos de abstrações cosmológicas de altíssima sofisticação, apenas não filosóficas por diferenças de mentalidade e de função. Como nos disse Torrano, as coabitações hierogâmicas e os nascimentos, e podemos inferir disso as violências, não eram descrições literais daquilo que os deuses teriam feito em algum momento — um entendimento assim é inacreditavelmente absurdo dentro do pensamento mítico do homo religiosus. Todos os atos divinos estão radicados no Eterno e têm o sentido de símbolos, da exposição segundo o regime imaginal do lugar e da função de cada realidade constituinte e infraestrutural do Cosmos. Você deverá perceber, então, nas descrições de combates cosmogônicos não exatamente a ocorrência de guerras literais, mas a expressão imagética da origem (ontológica, não cronológica) de princípios elementares do Mundo.

… assim será o rebaixamento de Leviatã para trás de limites invioláveis, tendo a sua boca bloqueada pela Pedra Angular do Mundo.

Por motivos tais, não há contradição alguma entre a identificação de mitologemas arcaicos do combate cosmogônico de YHWH e a sua teologização sacerdotal, como a vemos em Gênesis 1. O conflito cosmogônico supracitado se dá entre YHWH Elohim e o Abismo (Tehom [Tiamat]) e seus princípios, Sem Forma (Tohu) e Vazio (Bohu), contra os quais desferirá Seu Sopro Genesíaco, fazendo retrocederem os Mares (Yam) e os Rios (Naharim) e despedaçando o dragão Rahab. Seu grande rival será a Serpente Macho urobórica Leviatã (a contraparte do Tehom e o próprio Tohu enquanto princípio do Caos Aquático [Tehemot]), senhor de todos os Monstros Marinhos (Taninim), e, depois de Leviatã, Beemote (Bohu, o princípio do Caos Terrestre [Behemot]). O despedaçamento de Rahab como ato cosmogônico de imposição da Ordem no Mundo (Isaías 51:9–10) lembra o empreendimento cosmicizante de Marduque e a expulsão das Águas do Oceano Primordial para a região dos Pilares da Terra através do Vento (Rúach) remete ao aprisionamento de Ófion, a Serpente Macho, nos Pilares da Terra por Eurínome, após ela ter esmagado a sua cabeça — assim será o rebaixamento de Leviatã para trás de limites invioláveis, tendo a sua boca, como Garganta do Abismo, bloqueada pela Pedra Angular do Mundo. O combate cosmogônico de YHWH incluirá a separação entre Águas Inferiores, do Tehom, e as Águas Superiores, chamadas Efes, a Extremidade ou o Nada, ou os Confins da Terra (Salmos 2:8). Se o Tehom será Tiamat, o Abismo da Terra Disforme e Vazia, Efes, será Apsu — análogo ao Céu e à Água Doce, a “Água Masculina”.

Ele [Deus] estenderá sobre a cidade a linha de Tohu, e as pedras de Bohu… E todos os seus príncipes serão Efes… — Isaías 40:7

Em todos esses atos genesíacos, vemos aproximações com o sistema de Hesíodo: a Prima Materia, que está na eternidade desde O Princípio, convocada ex nihilo por YHWH Elohim, é a Terra Disforme (Tohu) e Vazia (Bohu), o Abismo (Tehom), da qual é subtraído o Céu (Efes), como Águas Superiores, para que o Oceano Primordial possa recuar e se abrir à Terra Seca. Leremos em textos como o Salmo 104 que o grande instrumento de YHWH Elohim será o Vento, o Seu Rúach, ou o Seu Espírito, ministrado como instrumento, ou arma de guerra, para separar Terra e Céu e empurrar Leviatã para os Pilares do Mundo. O princípio fundamental aqui será o Kháos, porque a insfraesturura da Criação será estabelecida através de atos de fragmentação da Unidade Oceânica Primordial, mas carregará algo de Éros quando, separadas as Águas Inferiores (Femininas) e Superiores (Masculinas), as Águas Inferiores são reunidas em grandes corpos, ou Mares, para emergirem grandes blocos de Terra Seca. O lugar do princípio do Éros encontrará maior destaque, todavia, na expressão menos mitológica e mais teológica da mesma cosmogonia, quando as imagens do combate são vertidas mais explicitamente em seus sentidos diretos: o Espírito de Deus aparecerá, agora, primeiro como a Luz, evocada em primeiro lugar, e virá como a Sabedoria ou o Logos Divino, o fator de infusão da Palavra de YHWH Elohim dentro da Unidade Primordial que, informada, começa a se segmentar em níveis cosmológicos, adequadamente definida e delimitada — é como se a Luz Una do Um Dia estabelecesse o prisma multicolorido da diversidade das formas do Mundo Criado.

Imediatamente após a evocação da Luz, note bem, o Espírito de Deus, o Rúach, paira sobre a Face das Águas, antecipando todas as distinções da Criação. Segundo os comentários do rabino Rashi e de Eni Gil’Ead em Gênesis 1, a passagem da descida do Espírito de Deus carrega toda a ideia de um Vento Genesíaco, fertilizador, que está inseminando nas Águas Disforme todo o potencial criativo, todas as formas que das Águas serão extraídas — é como, ainda, a imagem de uma pomba que está incubando, aquecendo e acalentando seu ovo, prenhe de vida. Nessa imagem somos remetidos ao mito pelasgo de Eurínome, que assume a forma de pomba (a sumeriana Iahu) para acalentar o Ovo do Universo. O que teremos em Gênesis 1, pois, é o esclarecimento teológico da cosmogonia implícita noutras passagens da Escritura: YHWH Elohim Todo Poderoso dá lugar, na Eternidade, ao Abismo e trabalha, através do Seu Vento, Espírito e Logos Divino, sobre Tohu — Bohu para dar a forma e a complexidade da Criação. Em termos de Criação, o Abismo, ou a Terra Disforme e Vazia (o Oceano Primordial), é a verdadeira Prima Materia, com o diferencial de que YHWH Elohim preexiste transcendentalmente à Terra e não participa da cosmogonia como um de seus frutos — Ele é o agente da obra da Criação desde o Princípio, evocando o Caos ex nihilo, até o Sétimo Dia, e sequer é, nesse sentido, algo como Urano ou Apsu, porque Ele mesmo não pertence à infraestrutura do Cosmos, embora a sustente com Sua Palavra.

Ele não é idêntico a um aspecto “superior” da Criação, mas tem a posse da Criação inteira e de seus princípios formativos…

Embora esse esclarecimento teológico traga o reconhecimento de que YHWH Elohim estabeleceu o próprio Abismo e é o Senhor dos Ínferos, Aquele que controla Leviatã e que tem a agência última sobre o Caos, além da Ordem — na medida em que Ele não é idêntico a um aspecto “superior” da Criação, mas tem a posse, as Suas “mãos”, da Criação inteira e de seus princípios formativos -, ele não exclui os e não impede o uso dos símbolos cosmogônicos de combate, que são expressões imaginais do mesmo conhecimento. Como dirá Eliade e como já vimos a respeito do profetismo, sobretudo em Daniel, a escatologia se serve fartamente dessas imagens arcaicas, às quais remobiliza na medida em que reconhece-se como um tipo de repetição da cosmogonia, tal como a concebe nos termos da mística do Primeiro Templo.

Nesse sentido, os Tempos, que estão no limiar do fim da Era, apresentam uma intensificação do antigo conflito cosmológico entre o Abismo e o Logos Divino e serão lidos, portanto, a partir de uma recuperação dos símbolos genesíacos de combate. Embora todo o Mundo esteja sob o controle total do Criador, incluindo o Abismo e o Caos, o trabalho de Deus com Homem, uma vez que envolve o intercurso das relações entre o Criador e Sua Imagem e Semelhança, transcorre dentro de processos internos da Criação, segundo uma continuidade do trabalho dos princípios do Kháos e do Éros, como uma extensão do processo criacional que se dá segundo um afastamento ou uma cisão cada vez maiores entre aquilo que tenha parte com o Ínfero e aquilo que se assemelhe ao próprio Criador. Essa oposição deverá ir a um ponto de tensão e de contradição tão severos, que a própria Criação vigente chegará ao colapso, para, dissolvida em seus elementos, ser livrada de toda a contradição ou divisão, Kháos, pela deposição do Abismo e do Inferno no Lago de Fogo, sendo conservada nos termos de Nova Criação, sem reminiscência de Tohu — Bohu e sem Mar, toda performada de Matéria Celeste, totalmente submersa na Luz de Deus Entronizado. É como se a Nova Jerusalém fosse o inverso dialético, lógico, da Unidade Oceânica Primordial, feita de Caos Disforme e Escuridão.

Essa oposição deverá ir a um ponto de tensão e de contradição tão severos, que a própria Criação vigente chegará ao colapso…

Nesse processo de “diástole”, quando a Criação se “expande” num processo diversificador baseado na contradição interna, tudo quanto corresponda ao Abismo, sendo o Abismo a representação máxima daquilo que deverá deixar de ser (porque a plenitude de Deus no Aravot não comporta o não-ser), será divisado como draconiano, leviatânico e, na medida em que o Pecado e a Morte possuem todas as qualidades do não-ser, do Abismo, o Grande Dragão se tornará o símbolo do próprio Satanás, o Querubim Caído, o regente de todas as hostes demoníacas e o próprio espírito subjacente ao Sistema de Trevas do Mundo. Por esse motivo os Reinos da Terra, governados segundo o princípio do Grande Dragão e da sua Prostituta, são todos imaginados como monstruosidades abissais a serem despedaçadas pelo Vento de Deus, pelo Verbo, pelo Cristo Rei montado no Cavalo Branco, como Rahab fora despedaçado. O abate desses reinos, ou monstros, assim como a aniquilação do Reino do Anticristo pela descida da Pedra Angular, que é o mesmo que a vitória sobre Satã, é recorrentemente simbolizado como o abate de Leviatã, Beemote e Ziz, as Bestas do Abismo, servidas como as carnes suculentas das Bodas do Cordeiro, no Banquete dos Justos e na ocasião do ingresso da Noiva, a Igreja, na Nova Jerusalém.

É possível, na realidade é necessário vislumbrar no conflito escatológico a ação de princípios cosmológicos comandados por Deus e em vista da consumação dos Seus propósitos com a Criação e com a Sua Imagem e Semelhança, segundo a adoção de filhos em Cristo Jesus. É necessário ver nisso a “diástole”, ou a necessária expansão da Criação, antes da “sístole”, ou de sua contração e compactação na Unidade da Glória de Deus. Ele é o Senhor de toda a Criação, de maneira que Kháos e Éros estão em Sua posse. Se criaturas, dentre as quais o próprio Satanás, participam dessa dinâmica escatológica, e se o fazem por completo ódio ao Senhor, são, n’última instância e sem que o queiram, instrumentos Seus e da Providência.

Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 15 de junho de 2024.

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Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em antropologia e crítica literária. Casado com Gabrielle Castoldi.