Sobre os Perigos de Eleger Muitos Mestres
Da necessidade de ouvir menos “influenciadores online”
A sabedoria antiga conhecia bem o poder mágico inerente às palavras, sobretudo aos discursos. Tanto o conteúdo e sua estrutura, quanto a postura do proclamador, tornavam o bardo, por exemplo, impregnado de aura sacral — ele falava com a autoridade divinal da Musa e conseguia impor amplo fascínio sobre a plateia. Palavras, de fato, não movem coisas, não alteram a substância dos corpos, mas exercem autoridade sobre o espírito, ou a mente. Porque, como bem sabemos do pensamento escolástico, corpos físicos não podem influenciar diretamente o espírito do homem, todavia as palavras, cuja fonte é o espírito do orador, podem penetrar e revolver diretamente a alma — isso pertence à própria natureza do discurso, que é obra do espírito humano e serve única e exclusivamente para atingir o âmago do outro. A organização das imagens numa narrativa é igualmente discurso, porque ordenada em termos retóricos (quer-se submeter o outro à mensagem propositada), todavia é pelas palavras mesmas que se conhece o potencial máximo de subjugamento espiritual do discurso (já que as imagens atingirão sobretudo a anima, ou a alma sensitiva, mais do que o Intelecto). Essa é uma das razões pelas quais o conceito de “batalha espiritual” tem seu cerne no uso das palavras de poder, que sempre acompanham a expressividade, ou a entonação e a gesticulação, porque demônios são espíritos. Por esse motivo, também, sortilégios, maldições e outras formulações verbais, na medida em que revolvem os espíritos dos homens e os demônios, exercem impactos reais — e seu uso diabólico é totalmente proibido nas Escrituras, considerando que as imprecações (como as que vemos nos Salmos) possuem uma natureza distinta, já que solicitam justiça ao Senhor Deus, que é o mesmo que dispensa bênçãos em resposta às palavras abençoadoras que, obedecendo Sua vontade, proferimos uns sobre os outros e sobre os lugares de nossa habitação humana.
Isso não enfraquece nosso Intelecto e torna nosso espírito tênue, quase fantasmagórico, na medida em que somos tantas vezes e de tantas maneiras dominados?
Digo isso porque, em nosso mundo contemporâneo, recheado de discursos, temos nos submetido inadvertidamente a uma multidão de mestres, de conselheiros, de “sábios”, que sejam os coachs, os pregadores online, os comentaristas pandêmicos, políticos e econômicos, os professores virtuais, os ideólogos… Quantos desconhecidos permitimos que falem aos nossos ouvidos? Que se imponham autoritativamente aos nossos olhos? A quantos temos dado permissão de entrar em nossos lares, de reverberarem em nossas paredes, de influenciarem nossos pensamentos, mas principalmente as nossas disposições interiores? Não temos sido, pois, dilacerados por dentro, com tantas vozes? E quais dessas vozes não professam discursos inspirados por demônios? Por quantas personalidades nos permitimos magnetizar, hipnotizar e encantar, e com qual recorrência? Isso não enfraquece nosso Intelecto e torna nosso espírito tênue, quase fantasmagórico, na medida em que somos tantas vezes e de tantas maneiras dominados?
Nem todos devem ter o direito de falar autoritativamente diante de nós. E quando o digo, falo de contextos de ensino, de instrução, de proclamação, não de conversas convencionais. Os antigos sabiam se sentar aos pés de apenas um ou dois professores, porque entendiam a seriedade dessa exortação. Por isso a Igreja Primitiva era orientada a não abrir temerariamente espaço de ensino público, no culto, e a sabedoria judaica ordena todos à preferência pelo silêncio, quando as palavras não puderem ser econômicas e precisas — o que quer dizer espiritualmente edificantes — e quando o discurso não puder ser ameno, regado de amor. Por outro lado, a Bíblia autoriza, como vemos nos profetas, a imposição tônica e postural na ocasião da proclamação da Palavra de Deus, porque esta tem autoridade per se e deve penetrar os corações dos homens como setas inflamadas.
Discorro sobre isso no embalo de uma leitura de Dave Hunt a respeito da figura de H1tl3r, como segue:
… essa figura cômica com o pequeno bigode e gestos frenéticos superou estrategicamente os líderes mundiais vez após outra com seu atrevimento insano, conquistou a Europa com ridícula rapidez e manteve o destino das nações sob seu louco domínio. Não existe resposta política, nem psicológica, nem qualquer outra resposta comum ao enigma que foi H1tl3r.
Qual foi a misteriosa fonte da sedução irresistível com que esse messias enganado arrastou milhões após ele à destruição? Em se tratando de influenciar uma grande audiência, uma nação, o mundo, nenhum ser humano foi igual a H1tl3r. Durante seus discursos, ele era como um médium em transe. Após eles, como um médium sugado pelos espíritos, H1tl3r entrava em colapso, mortalmente empalidecido e exausto, e eram precisos vários chopes para reanimá-lo.
[…]
Após encontrar H1tl3r em 1941, o historiador Benoist-Mechin declarou reverente: ‘… seus olhos… tão estranhos, inicialmente foram tudo que vi… [ele] tinha um modo de olhar para você, que o atraía a ele… você sentia uma espécie de atordoamento…’ -H1tl3r, O Quase-Anticristo, pp. 12–14
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 4 de julho de 2023.