Sobre Vício e Empobrecimento

Ao redor da temática “coach”

Natanael Pedro Castoldi
4 min readMay 23, 2024

É notável o empobrecimento material do genérico das pessoas em nossos tempos. Claramente isso tem alguma relação com o aumento vertiginoso nos preços de propriedades, imóveis e automóveis, assim como na desvalorização da moeda, na ampliação dos impostos e no custo elevado dos alimentos. Correto. Todavia, momentos análogos foram sempre conhecidos ao longo da história dos últimos séculos, quiçá milênios, e, ainda que com altos e baixos, o padrão de enriquecimento médio sempre foi progredindo. Claramente, há uma disparidade notável e crescente entre classes alta e baixa, com um estreitamento sempre maior da classe média — que é, historicamente, o verdadeiro motor civil da economia (e da política) moderna, como notou Wilhelm Reich. Ainda assim, há em nosso tempo virtudes e potenciais de enriquecimento, em menor grau, talvez, como sempre os houve na história recente, sem que precisemos responsabilizar apenas fatores externos negativos como causadores do mal supracitado. Cada vez me convenço mais de que parte substancial das dificuldades da média de minha geração de progredir economicamente esteja radicada no território das virtudes e dos valores, provavelmente mais do que naquele das causas propriamente materiais.

… parte substancial das dificuldades de progredir economicamente está radicada no território das virtudes e dos valores…

A desesperança claramente é um fator determinante, que conhece raízes na insegurança jurídica e na insegurança pública, assim como na insegurança econômica, o que desanima para a guarda de capital e os investimentos de longo prazo. É isso que Hermann Hoppe chamará de Preferência Temporal, e ela se elevará dramaticamente em tempos de crise e de confusão política, econômica e cultural, ou espiritual, porque, nesses tempos, os “instintos” ficam mais à flor da pele e os imperativos de sobrevivência momentânea se sobrepõem aos de desenvolvimento gradual. Às vezes o indivíduo até teria meios de garantir bem sua sobrevivência diária e ainda reverter algum recurso para o futuro, mas sua mentalidade está tão inflamada pelo imediatismo e pelo clima de desespero generalizado, que Agamben muito bem diagnostica como obra midiática das últimas décadas, que, guiado pelo éthos da “vida nua”, que é o do alerta, da vigilância, da inflamação emotiva e reativa, baseada pura e simplesmente na melhor sobrevivência biológica, já é incapaz de se desprender do hoje. Soma-se a isso a tendência natural do homem, segundo Lorenz, de recair nos vícios da preguiça e dos prazeres, em lugar do esforço e do sofrimento, necessários à saúde tanto individual, quanto da espécie. Assim, aprisionado no vórtice da desesperança, oscila entre o desespero da sobrevivência biológica e o desvio de quase todos os recursos para a satisfação de vícios e de desejos imediatos, com os quais preenche quase todo o tempo ocioso — é, pois, hedonista e consumista, e não tem mais resistências internas para fazer frente à compulsão de satisfação de vontades, por isso é também, de alguma maneira, mimado. Essa impaciência, que é viciosa, leva a repentes de ímpeto de enriquecimento, que são sobressaltos empreendedores e investidores, arriscadas apostas, temerárias e imprudentes, para crescimento milagrosamente rápido, já que não está à mão o cabedal virtuoso que garantiria uma medida de escassez cotidiana para o acumulo gradual e lentíssimo, da permanência numa vocação e em um trabalho, que necessariamente daria bons resultados ao longo dos muitos anos. O desejo de status, que sempre se precipita, invariavelmente dá em aumento contestável e demasiado precoce no custo de vida, transformando todos os caprichos em necessidades, para logo adiante tornar-se em estilo de vida insustentável.

Só quem está de olhos vendados, dentre minha geração, para não perceber como a carência de virtudes e a sobrecarga de vícios estão destruindo a inteligência financeira/econômica da maioria daqueles que, de fato, teriam verdadeiro potencial de progresso — se fossem mais prudentes, simplesmente. Gastos exorbitantes e desnecessários em “lanches” e plataformas, em jogos e em lazeres diversos, colecionismos, distrações e dívidas crescentes, que vêm para se munir de coisas que guarnecerão traços infantis, os quais querem se manter agarrados perenemente à personalidade adulta. Esses são os principais fatores da paralisia material que vejo ao meu redor. É uma questão principalmente de virtude, mais do que cenário — embora seja mais fácil culpar todos os outros e algumas entidades abstratas em lugar da própria incontinência.

É rematada estultícia o indivíduo pretender, ao introduzir às cegas a mão dentro da caixinha de surpresas da vida e dentre os milhares de papeizinhos — uns assinalando êxitos e outros fracassos para o ‘ano que vem’ — tirar justamente o que mais lhe favorece. Um grande financista de São Paulo, explicava com simplicidade seu triunfo na vida comercial: — ‘Durante muitos anos fui fazendo o que me parecia mais indicado, as transações mais aconselháveis no momento, sem me preocupar se a época era ou não de crise ou prosperidade. Ia sempre fazendo pelo melhor.’
Não queira adivinhar o que o futuro reserva para você e procure agir de acordo com as experiências legadas pelos seus antepassados e com a que você já adquiriu à própria custa, procurando não se afastar do bom senso comum. — Dr. Virgílio de Camargo Pacheco, Vença Seus Complexos

Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 22 de fevereiro de 2024.

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Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em antropologia e crítica literária. Casado com Gabrielle Castoldi.