A Tábua das Nações no Horizonte Escatológico
Togarma entre os povos da Terra
Togarma, “o extremo Norte”, conforme Ezequiel 38, é apresentado pelo profeta como parte da coalizão de Gogue contra Israel, na qual acrescenta suas tropas e as de outros povos circunvizinhos. Como já vimos, Gômer, filho de Jafé, foi o pai de Asquenaz, Rifá e Togarma, com Asquenaz sendo o pai de povos da Europa oriental. Pode-se inferir da visão hebreia antiga a respeito da formação dos povos (vide a Tábua das Nações, de Gênesis 10) que o povo de Togarma se desprendeu do corpus de Gômer antes de este migrar do Mar Negro para o norte europeu, permanecendo no Cáucaso e nas estepes do norte asiático, tornando-se conhecido por ali criar os melhores cavalos.
Conforme Gesenius, dos filhos de Togarma fora fundada a Armênia, enquanto outros de seus filhos originaram as tribos turcomanas da Ásia Central. Nesse sentido, parte da descendência de Togarma se confunde com o território dos Citas, de Magogue, deles variando por sua associação com os primitivos cazaques, uzbeques, quirguizes, turcomenos e outros, assim como os povos proto-búlgaros, hunos e xiongnu. À semelhança de Magogue, por conseguinte, corresponde às imensas planícies asiáticas, mas também às regiões montanhosas da Heartland. Convém observar, segundo Wendt, que os antigos gregos e romanos tendiam a atribuir à Cítia basicamente toda a extensão desconhecida do norte da Ásia, podendo-se, portanto, conservar a proximidade entre Togarma e Magogue, apesar da precisão do profeta em distinguir os povos, provavelmente em consideração à porção mais ao ocidente, no Cáucaso, onde deve ser encontrado o país de Togarma, mais bem delimitável do que a descendência de Togarma, neto de Jafé, que chega até a Mongólia.
Magogue, Gômer, Togarma, Pérsia, Cuxe e Pute correspondem aos extremos do mundo conhecido pelos hebreus veterotestamentários
Junta-se a Magogue (Cítia), Gômer (Alemanha e oriente europeu) e Togarma (“extremo norte”) a Pérsia (atual Irã), Cuxe (África Oriental) e Pute (norte da África), seguindo os partícipes da coalização de Gogue elencados por Ezequiel, para se ter o entendimento, posteriormente recuperado pelo profeta João, de que se está falando não apenas de nações determinadas, mas de todas as nações da Terra, uma vez que Magogue, Gômer, Togarma, Pérsia, Cuxe e Pute correspondem aos extremos do mundo conhecido pelos hebreus veterotestamentários. Daí Apocalipse 20:8: “E sairá [Satanás] a enganar as nações que estão sobre os quatro cantos da terra, Gogue e Magogue, cujo número é como a areia do mar, para as ajuntar em batalha.” Por essa razão, deve-se encontrar a realização ideal do oráculo de Ezequiel, ainda que tenha encontrado consumações parciais, no limite do horizonte escatológico, donde a sua recuperação por João, como se Gogue e Magogue tivessem se tornado uma tradicional fórmula profética, ou um símbolo de transmissão discreta, para se referir à totalidade das nações — considere que um livro como o Apocalipse não era apresentado senão aos cristãos iniciados, jamais aos neófitos, porque estes deveriam ser instruídos nos símbolos e nos mistérios para a compreensão adequada do texto.
… são representações de potestades que, se hiperbolizadas, abrangem espectros vastos que correspondem a certos espíritos civilizacionais…
Não se desconsidera, todavia, que as nações nomeadas não devem ter sido escolhidas apenas em função de sua localização geográfica, como localizadas nos Quatro Cantos, mas por serem especialmente significativas, em termos de espírito e de vocação, no cumprimento dos propósitos de Deus na História e com a descendência de Abraão. A Cítia é a Rússia, Gômer é a Alemanha e o espectro norte indo-europeu, Togarma inclui a Turquia, a Pérsia é o Irã, Cuxe é a África Negra e Pute é a África Árabe — todas são representações de potestades que, se hiperbolizadas, abrangem espectros vastos que correspondem a certos espíritos civilizacionais, inclinações e vocações históricas vinculadas a nações e coalizações de povos, os quais disputam principados em função de interesses e destinos próprios, mas que se amalgamarão, enfim, sob o Anticristo. Para essas nações, a apocalíptica judaica desenvolveu um amplo léxico de símbolos monstruosos, sínteses de suas identidades espirituais e de seu quinhão de participação no ordenamento do Mundo e na conclusão da História.
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 9 de janeiro de 2024.