Colunas e Arcos Romanos

Diário de viagem #11

Natanael Pedro Castoldi
7 min readMay 11, 2024
Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 20 de abril de 2024. A Coluna de Trajano.

Dia 20, acabara de anoitecer. Eu e Gabrielle voltávamos da longa exploração que empreendemos em Roma. Passadas as Termas de Trajano e Tito, o Ninfeu de Alexandre, a Porta Esquilina, a basílica de Santa Praxedes, a basílica papal de Santa Maria Maior e as Termas de Diocleciano, que contém a igreja de Santa Maria degli Angeli e dei Martiri, retornávamos pela Via Nazionale até a passagem da Torre delle Milizie, uma magnífica fortaleza medieval. Dali, do ímpeto aventuresco que ora nos conduzia, simplesmente singramos, na Via Magnanapoli, por uma escadaria que daria nalgum ponto do Fórum, ao fim da qual avistamos, sem prévio planejamento, a colossal Coluna de Trajano, posicionada na terminação noroeste do sítio do Fórum, na imensa área do Fórum de Trajano, a qual contém também o mercado que leva o nome desse imperador. Vimo-la, ao lusco-fusco crepuscular, sob sua amarelada iluminação noturna, e fiquei sobressaltado porque ali, num repente, se ergueu diante dos nossos olhos um monumento sobre o qual ouvira falar e sobre o qual estudara diversas vezes.

Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 20 de abril de 2024. A Torre delle Milizie.

Idealizada pelo arquiteto favorito de Trajano, que planejara também as suas termas, Apolodoro de Damasco, o ciclópico pilar data de 114 d.C. e segue a mesma lógica dos arcos triunfais, sobre os quais teremos algo a falar adiante. Com 38 metros de altura e um diâmetro de 3,7 metros, chega a pesar 1,1 mil toneladas, contendo em seu interior uma escadaria espiral com 185 degraus. Um monumento à memória da guerra de Trajano contra os dácios, externamente e em sentido espiralado, nele é narrada por inteiro a campanha militar do imperador, a qual redundou em um verdadeiro massacre. Na sua base, na parte onde se vê um dácio capturado, foram depositadas as cinzas de Trajano, morto em 117. A campanha de Trajano na Dácia, que por meio dele tornara-se província romana, se deu contra a duríssima resistência promovida pelo rei Decébalo, uma resistência que perdurou nalguns pontos, porque a Dácia nunca chegou a ser de todo dominada por Roma, sobretudo as terras hoje pertencentes à Moldávia e partes da Hungria, da Romênia e da Ucrânia. Foi através da Coluna de Trajano que realizamos a primeira incursão no sítio arqueológico do Fórum e, portanto, esse marco e o seu vislumbre me são memória perene.

Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 21 de abril de 2024. A Coluna de Trajano.

No dia 21, quando subíamos com meus pais na direção do Panteão, após a descida do Campidoglio, o encontro com o busto de Ísis e a estonteante descoberta da real suntuosidade da igreja de Santo Inácio de Loyola, cruzando por típicas vielas romanas chegamos à rua da Piazza Colonna, no meio da qual, mais uma vez surpreendidos pelo inesperado, divisamos a nobríssima Coluna de Maro Aurélio, um momento triunfal inspirado naquele primeiro, de Trajano. Concluída em 193 d.C., possui 29,62 metros de altura e está instalada em uma base de 10,1 metros — esta, por sua vez, estava sobre um pódio de 3 metros, que ora jaz abaixo do nível da rua. Ostenta, ainda, um diâmetro de 3,7 metros, também com uma escadaria interna — esta com um total de 200 degraus. Digo nobríssima, pois, além de homenagear ao imperador filósofo, é feita de 28 blocos do caríssimo mármore de Carrara, à altura da importância histórica do registro que a escala, em baixo relevo, da base ao topo: as campanhas de Marco Aurélio contra os germânicos e contra os citas iranianos, as primeiras pertencentes à chamada Guerra Marcomana, nas fronteiras do Danúbio, travada entre 166 e 180 d.C., ano da morte do imperador. A narrativa tem início com a apresentação das tropas romanas atravessando o Danúbio em Carnunto, e uma vitória divide os dois relatos — primeiro as expedições contra os marcomanos e quados, depois as expedições contra os sármatas da Cítia. Um famoso milagre jaz inscrito na Coluna, parte substancial da propaganda militar romana: o “milagre da chuva”, quando “um deus”, respondendo às súplicas do imperador, resgatou as tropas romanas de uma terrível tempestade que se abateu sobre elas no território dos quados — esse milagre é atribuído por Justino Mártir a Deus. Embora encontre inspiração na Coluna de Trajano, o tom dramático dos baixos-relevos e as opções estéticas são diversos, servindo, estes, de base para o que se vê no Arco de Sétimo Severo.

Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 21 de abril de 2024. A Coluna de Marco Aurélio.
Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 21 de abril de 2024. A Coluna de Marco Aurélio.

Dos arcos triunfais romanos, o de Sétimo Severo foi aquele que se imprimiu com mais poder sobre meu espírito, encontrado por mim em uma posição mais elevada, junto do Cárcere Mamertino. Inaugurado em 203 d.C., vem comemorar as vitórias militares do imperador Sétimo Severo e de seus filhos, Caracala e Geta, contra os partas. Possui 23 metros de altura, 25 de largura e 11,85 de espessura — definitivamente gigantesco. Na base do Capitolino, esse Triunfo faz par em grandeza com o Arco de Constantino, que é, todavia, um tanto menor — 21 metros de altura, 25,9 de altura e 7,4 de profundidade -, com o diferencial de este ser triplo. Inspirado no de Sétimo Severo, foi fundado pelo imperador Constantino, o principal responsável pela institucionalização da Igreja, em 312 d.C. e se localiza no espaço entre o Coliseu, que está no Celio, e o Palatino. Marca a vitória de Constantino contra o anti-imperador Mexênico na famosíssima Batalha da Ponte Mílvia, de amplíssimo significado espiritual, pois foi na sua véspera que Constantino teve, em Visão, a imagem teofânica do Chi-Rho, um sinal crístico indicando o favor divino às tropas do imperador — Eusébio de Cesareia é o principal proponente cristão desse entendimento, à luz do que já vimos a respeito de Marco Aurélio em Justino. Toda a subsequente história da Igreja, seja ocidental ou oriental, está implicada nessa importantíssima Visão, indicativa da Providência e do curso que Deus dá aos reis e aos reinos.

Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 20 de abril de 2024. O Arco de Constantino.

Apenas de longe, no cimo da Via Sacra, pude avistar o Arco de Tito, o mais antigo dos três e aquele que eu mais desejava ver de perto, já que nele está esculpida a homenagem à vitória do imperador contra os judeus, contendo inclusive o famoso baixo-relevo da Menorá, correspondente ao ato de dessacralização romana do Templo de Herodes, em cumprimento à profecia de Jesus Cristo em Lucas 21. Erguido por Domiciano em 82 d.C. em honra ao seu irmão mais velho, recém-falecido, Tito, pereniza monumentalmente as vitórias militares deste, sobretudo o sucesso na Primeira Guerra Romano-Judaica, findada em 70 d.C. Com base nas semelhanças arquitetônicas, o arquiteto comissionado por Domiciano para a idealização do Arco de Tito deve ter sido o mesmo que idealizou o Coliseu, Rabírio, e, embora menor do que os seus sucessores, pois dotado de 15,4 metros de altura, 13,5 metros de largura e 4,5 metros de profundidade, é aquele mais visceralmente simbólico para nós, na medida em que impõe à vista o conflito multissecular entre duas das principais cidades fundacionais de nossa Civilização e as duas cidades sagradas por excelência, epítomes, cada uma, das duas modalidades de religião em seus desenvolvimentos máximos: o paganismo eurasiático e o monoteísmo mosaico, cujos santuários eram tão impermeáveis um ao outro e a autoestima dos seus dois povos representativos, romanos e judeus, tão equivalente, que a coexistência se provou praticamente impossível, culminando em uma tentativa derradeira de anulação e destruição total, por parte de Roma, de Jerusalém. De dentro de Jerusalém, todavia e em tempo, se dispersaram os seguidores d’O Caminho, previamente antecipados por Jesus Cristo e pelos apóstolos, engrossando a “diáspora” cristã pelo Império e fortalecendo a presença da Igreja na cidade de Roma, abalada pouquíssimos anos antes com os martírios dos apóstolos Pedro e Paulo. Ademais, é impossível não vislumbrar uma segunda ligação entre o Arco de Tito e os cristãos, além da terrível destruição de Jerusalém, se o Coliseu, o grande circo no qual fora derramado um mar de sangue de mártires, dilacerados por feras, por gládios e por chamas, brotou da mesma mente da qual nascera o Triunfo.

Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 21 de abril de 2024. O Arco de Sétimo Severo.

A história militar, que conhece em Roma e no Império alguns de seus exemplos máximos, se apresenta em pedra, à vista, ao longo de todo o tempo em que se está na Cidade Eterna. Somados às torres e fortalezas antigas e medievais, como a Torre delle Milizie, a Torre dei Graziani e o Castelo de Santo Ângelo, as Colunas e os Arcos são os grandes símbolos do éthos bélico que expandiu as fronteiras e transformou Roma no Quarto Império Mundial de Daniel. O primeiro livro que comprei na minha vida foi sobre as guerras de Átila contra os romanos e, entusiasta de estudos militares, sempre me fascinei pelas narrativas de batalhas romanas históricas. Ter submergido tão profundamente também nesse aspecto da Cidade, arrebatado pelos seus principais monumentos à obra beligerante de seus mais conhecidos imperadores, constituiu um dos elementos mais proveitosos dessa visita.

Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 21 de abril de 2024. A Torre dei Graziani ao luar.
Foto tirada pelo autor do presente texto no dia 21 de abril de 2024. O Castelo de Santo Ângelo.

Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 11 de maio de 2024.

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Natanael Pedro Castoldi
Natanael Pedro Castoldi

Written by Natanael Pedro Castoldi

Psicoterapeuta com formação em teologia básica e leituras em história das religiões e simbolismo. Casado com Gabrielle Castoldi.

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