Da Perseverança do Cristão
Um entendimento escatológico
A nossa exploração no tema do Milênio e do silenciamento de Satanás pode nos dar boas pistas sobre o princípio neotestamentário das garantias do favor e do cuidado de Deus para conosco. Em síntese, sem que se ignore a importância do estudo anterior, com a Elevação do Cristo na Cruz e na Ressurreição Satanás foi derrotado (Lc 10:18), isto é: posto em prisão, para não molestar e não obstruir o caminho da Igreja entre as nações da Terra (Mc 16:15–20; Mt 28:18–20) — durante esse período, que é o do Tempo Escatológico — Os Tempos -, a Igreja se vale da autoridade entregue ao Cristo Ressurreto, soberano sobre os Céus, a Terra e o Submundo, e feito “nome sobre todo nome” desde a Sua Vitória sobre o Inferno (Fp 2:6–11). É com base nessa autoridade que a Igreja, comissionada ao atingimento dos Limites (At 1:8 / “Efes” veterotestamentário), fará Jesus Cristo ser confessado “Senhor” em todas as línguas (Fp 2:11). Nota-se como o apóstolo Paulo afirma aos atenienses, em Atos 17, que a Elevação do Filho de Deus, o Eschatos, libertou os gentios da cegueira espiritual para que pudessem finalmente ver a Verdade, o que corresponde ao silenciamento do Diabo, outrora detentor dos reinos e das mentes dos pagãos (Mt 4:8–9). Daí a exclamação de Cristo em João 12:23, imediatamente após a chegada dos gregos até Ele: “É chegada a hora em que o Filho do homem há de ser glorificado.”
… a expansão da Fé até os Limites seguida de sua retração desde os Limites…
Fica, pois, patente o reconhecimento do Milênio como o tempo da Igreja, a Era Cristã, principalmente se respeitarmos o impressionante Apocalipse 20:6–10, no qual está disposta a infraestrutura do esquema escatológico: a Igreja levará a Boa Nova de Cristo até os Limites, os pontos terminais da habitação humana na “beirada” do Abismo, para que seja completada a “plenitude dos gentios” (Rm 11:25), e então, findados os Tempos, Satanás será liberto de seu cativeiro e autorizado por Deus a atacar direta e frontalmente o Povo de Deus. Satã assomará os exércitos de todas as nações da Terra, desde a “beirada” do Abismo (Ez 38–39 põe na coalização de Magogue [a epítome do Mal] povos representativos dos Limites do Mundo), para sitiar a Cidade Santa, constituída de “pedras vivas” (1 Pe 2:5). Vê-se, pois, a expansão da Fé até os Limites seguida de sua retração desde os Limites, a partir de uma rebelião do Abismo, uma vez solta a Antiga Serpente do Mar.
… Satanás perdeu o poder de cegar perpetuamente os pagãos e suas nações.
Antes dessa rápida inflexão guardada para os Últimos Dias, ou o Final dos Tempos (2 Ts 2:2), a Era da Igreja, que é o cumprimento da Promessa Abraâmica (Gn 12:3) e dos anos da Árvore da Vida, os quais o Primeiro Adão não conseguiu completar (Is 65:22), é descrita como uma recapitulação do período edênico (Is 65:22–25), compatível com a ordem universal, de abrangência global, do governo do Primeiro Adão desde o Jardim — desta vez, pois, sob a autoridade do Segundo Adão. Isto está implicado na Comissão de Cristo à Igreja e no empreendimento missionário apostólico, sobretudo paulino: a Igreja, tendo atingido os Limites, difundiria no largo do Mundo o princípio do Reino, ao mesmo tempo em que, pela ação do Espírito Santo (o tema do Katechon — 2 Ts 2:6–7), retivesse a manifestação do Anticristo, o que quer dizer: o sistema global, ainda que tenebroso, não seria diretamente regido pelo cetro de Satanás, que perdeu o poder de cegar perpetuamente os pagãos e suas nações. Do ponto de vista da Igreja Primitiva, os Limites já haviam sido virtualmente atingidos pelos Doze, a maioria deles martirizada em nações distantes, todas ligadas ao conjunto das 70 Nações da Terra (o número delas segundo a tradição judaica) e à lista de povos dos Limites apresentada por Ezequiel. Eis, pois, a sentença de Cristo em Mateus 16:16–17:
… tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela; e eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus.
As Portas do Inferno, ou do Abismo, estariam seladas no ato da fundação da Igreja, após a Morte e a Ressurreição do Cristo, uma vez que Satanás jazeria aprisionado. Enquanto Reino de Deus na Terra e antítipo do Éden, naturalmente a Igreja não poderia ser assediada pelo Abismo, nem pela Antiga Serpente do Mar. A entrega das Chaves à Igreja, de fato, só pôde ser efetivada após a descida aos Espíritos em Prisão, que estão nos Ínferos (1 Pe 3:19), e a vitória de Cristo sobre a Morte, bem descrita em Apocalipse 5 como fundamento da legitimidade do Cordeiro de Deus de abrir o Livro — porque Ele teria, então, derrotado o Príncipe da Morte em seu próprio reino e feito Senhor do Submundo, da Terra e no Céu. Essas são as Chaves descritas em Apocalipse 1:18, dadas, pois, à Igreja enquanto sinal da autoridade de Cristo a ela dispensada — isto é: ela retém e posterga, sob o Espírito Santo, a manifestação do Anticristo e conserva abaixo de si, trancafiado, o Inferno (ou seja: mantém selada a boca do Orco, da Antiga Serpente, que nada pode dizer contra ela, porque ela carrega o Nome de Cristo), o que significa, também: por meio de sua posse do Evangelho e da Palavra de Salvação, os homens abertos à Boa Nova são previamente resgatados do Abismo e, uma vez novos nascidos do Reino, ligados ao Céu, ao mesmo tempo em que, caso alguém se desligue ou seja desligado do Corpo de Cristo, tendo escandalizado e anulado em si a eficácia da Cruz (Hb 10:26–27), estará desligado do Céu (1 Tim 1:19–20). Importa, pois, considerar que a perseverança dos santos em Cristo está diretamente ligada e é determinada pela pertença à Igreja, porque é contra a Igreja que Satanás nada pode fazer — ao menos no Tempo que Resta.
… esses, que recaíram ou não creram, não conhecem a Sua Voz, porque não são Suas ovelhas…
Quando, todavia, findar a Era, terminar o Milênio e Satã for libertado e autorizado a molestar a Igreja, pressionará as portas do Abismo contra ela e, de dentro dela, desde os que estão entre os crentes, mas não são efetivamente do Reino (1 Jo 2:18–19), fará eclodir a Anti-Igreja, donde a Grande Apostasia (2 Ts 2:2–12) e a Grande Abominação no Lugar Santo (Mt 24:15; 2 Ts 2:4) — isto é: a entronização do Anticristo no seio da igreja apóstata, serva de Satanás. Neste caso, aos que, tendo “comichão nos ouvidos”, derem ouvidos às falsas doutrinas, que são doutrinas de demônios (2 Tm 4:3–4), forem encontrados nas fileiras da falsa igreja, está destinado o mesmo fogo devorador guardado para Satanás e seus demônios. Isto será assim, pois esses, que recaíram ou não creram, não conhecem a Sua Voz, porque não são Suas ovelhas (Jo 10:25–26).
Quanto a nós, que vivemos no Tempo que Resta, fica em evidência: sendo Suas ovelhas, reconhecemos a Sua Voz e O seguimos; renascidos em Cristo, temos já a Vida Eterna, libertos, n’Ele, da Morte e estando n’Ele, pois, não há nenhuma autoridade no Inferno, na Terra e nos Ares que poderá contra nós, que poderá reclamar a nossa posse e nos retirar da Sua mão (Jo 10:27–28). Ao redor, todavia, está Satanás, rugindo como um leão e sempre pronto para tragar aqueles que se afastam do Corpo e aos quais pode reclamar para si diante de Deus (1 Pe 5:8) — donde o imperativo: “Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns” (Hb 10:25).
… não há nenhuma autoridade que poderá reclamar a nossa posse e nos retirar da Sua mão…
Aqui está a confiança que podemos ter nos cuidados do Senhor para conosco, enquanto Sua Igreja. Ele tem a posse das Sete Estrelas, que são os Anjos das Sete Igrejas (ou da Igreja per se), e está entre os Sete Castiçais, que são as Sete Igrejas (ou a Igreja per se), como se lê em Apocalipse 1:20. Isto é: Cristo está arquetipicamente, desde o Santuário Celestial e como sumo sacerdote, no meio e no fundamento da Sua Igreja, da Igreja que jaz na Terra, e tem a posse dos plenos poderes para dela e dos santos cuidar e proteger. É isso que podemos apreender de Apocalipse 5:6: tendo vencido o Inferno, o Cordeiro Imolado que está no meio do Trono ostenta Sete Olhos e Sete Chifres, que são os Sete Espíritos de Deus “enviados a toda a terra”, os quais, conforme Zacarias 4:2 e 10, são os Sete Olhos de Deus, Olhos que buscam ativamente aqueles “cujo coração é totalmente d’Ele”, para a estes “mostrar-Se forte” (2 Cr 16:9) — ou seja: para ir em seu socorro (2 Cr 16:8).
Podemos, por conseguinte, uma vez que permanecemos, como ramos, ligados à Videira (Jo 15:4–7), ter todas as garantias do cuidado de Deus, porque Ele é Fiel à Promessa, de modo que “não permitirá que nossos pés vacilem” (Sl 121) e jamais nos entregará nas garras do Maligno. Ele é Quem nos fez saber que Satanás está impedido de nos tocar — se n’Ele permanecermos, porque “ao que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo, e o maligno não lhe toca.” — 1 João 5:18
Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.
- João 16:33
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 13 de agosto de 2024.