Da Virtude dos Gentios à Bestialização dos Anticristos
O alastramento formal do Mal no Tempo do Fim
Isso me leva a entender que o discurso do apóstolo Paulo em 2 Timóteo 3:1–6 é sobre a generalização da maldade, às raias do inédito, quando dos últimos dias. Porque ali se anuncia uma condição humana futura — diz respeito aos homens, em sentido genérico, e é sobre algo que está por acontecer. Desse “tipo” já eram aqueles, aos quais o apóstolo combatia através de Timóteo, que estavam se infiltrando nas casas dos crentes e inflamando as paixões com falsas doutrinas — Himeneu e Fileto são dois deles, da antiga estirpe de Janes e Jambres, os bruxos de Faraó. Nota-se que Himeneu e Fileto são descritos como tendo se desviado da Fé, sendo, portanto, gentios que apostataram para o favorecimento de suas próprias paixões concupiscentes através da distorção da Sã Doutrina — eles afirmavam, conforme os sentimentos gregos, que não haveria ressurreição do Corpo, mas apenas a ressurreição “espiritual”, no coração do cristão, e que, portanto, a ressurreição já era realizada por completo no ato da conversão, significando que os salvos vivem já e agora como se no Paraíso, o que pode ter servido como um pretexto para a anarquia moral.
Homens dessa estirpe, em confronto direto com Deus, como Janes e Jambres, praticamente não existiram no Tempo da Ignorância…
Percebe-se como, da Revelação da Verdade, ou do Eschatos, que é Cristo, o regresso do conhecedor da Verdade aos rudimentos do mundo não pode ser inocente ou ignorante, porque é impossível que ele realmente volte ao estado mental e ao status espiritual que tivera inicialmente. Ele deverá, isto sim, torcer a Verdade por meio de sofisticadas sutilezas, alterando um ou outro ponto problemático para seu intento lascivo, desde o qual descaracteriza a inteireza do Evangelho e o redireciona, do desvio primário, para sustentar a sua rota vil. Por isso, desde a Plenitude do Tempo, que é o Tempo da Maturidade do Mundo, quando Cristo fora dado a conhecer aos homens da Elevação na Cruz e na Ressurreição dos Mortos, e a partir do cerne da própria Igreja, que é o seio do novo tipo humano, o Bem-Aventurado — inaugurado por Cristo no Sermão da Montanha -, emergem os anticristos, os pervertores da humanidade, porque são inimigos declarados de Deus os construtores de falsas doutrinas, de inspiração demoníaca, os quais as arquitetam da pilhagem dos bens do Evangelho, que conhecem, e aos quais misturam superstições em constructos ardilosos (1 João 2:18–19). Homens dessa estirpe, em confronto direto com Deus, como Janes e Jambres, praticamente não existiram no Tempo da Ignorância, mas agora, dada a Verdade ao Mundo, se proliferam progressivamente, ao ponto de se tornarem a média comum — que conta com os pervertores, que são os corruptores da Verdade, e os pervertidos, que são os corrompidos pela Mentira. Essa degeneração gradual, que fica exponencial nos momentos finais, segue a ideia da Plenitude dos Tempos como uma meia-vida, após a qual o Mundo começa a derruir em si mesmo por envelhecimento.
Esse estado de coisas é parte da “lógica” dos Tempos, ou Últimos Dias, que vão da revelação do Eschatos até o Fim da Era, com a Parousia. Os Bem-Aventurados, Nascidos do Reino, minoria constante, se santificam e consagram mais conforme o aumento da maldade e a densificação das Trevas, para resistirem-nas ao mesmo tempo em que estimulam, por sua crescente santidade, uma intensificação reativa do Mal, que vai se expandindo e se alastrando horizontalmente para recobrir toda a face da Terra. À exceção dos Nascidos do Reino, a característica global do homem será, então, a da impiedade, e dessa maneira se consolidará conforme o Evangelho for chegando aos Confins e a “medida dos gentios” rondar seu termo — muitos negarão de pronto da Boa Nova e outros a assimilarão em um primeiro momento, mas superficialmente, e logo cairão da Fé, e todos estes darão o imenso volume dos ímpios, piores agora que souberam da Verdade e profanaram o Santo Sangue de Cristo do que outrora, enquanto alguns aceitarão do Evangelho e, férteis à semente da Palavra, perseverarão no Caminho. Assim deverá ser para o encaminhamento do Fim, quando a tensão entre as Trevas e a Luz chegar ao zênite — então Jesus Cristo descerá dos Céus como implacável Juiz, para aniquilar os povos, Seus inimigos, e tomar para Si, desde entre esses povos, os Filhos de Deus Pai.
… poetas e filósofos gentios, assim como sacerdotes e governantes, poderiam ser considerados homens virtuosos…
Há um contraste, portanto, a ser notado entre os rudimentos dos gentios do Tempo da Ignorância e a condição dos gentios que, após o Cristo, recaem nas superstições e nas vãs sutilezas, que vêm, então, como oposição à Verdade Revelada. Porque, no Tempo da Ignorância os rudimentos gentílicos eram legítimos tutores, ou guias dos pagãos no agravamento de sua autoconsciência pecadora e no aperfeiçoamento de suas especulações filosóficas, que os conduziram aos umbrais do Evangelho. Nesse contexto, com raríssimas exceções, havia algo de virtuoso conservado por Deus entre as nações da Terra, que persistiam nos Preceitos Noáquicos e que Deus mantivera “tateando no escuro” em busca da Verdade segundo a promessa a Noé — de que não voltaria a destruir a humanidade, se não no Tempo previamente determinado. Isso significa que poetas e filósofos gentios, assim como sacerdotes e governantes, poderiam ser considerados homens virtuosos, se medidos em conformidade com o peso das escamas que ainda recobriam os seus olhos espirituais. Paulo de fato cita poetas e filósofos pagãos em alguns de seus discursos, além de afirmar que o Império Romano conservava legitimidade para aplicar a Justiça, porque guardava em si virtudes notáveis, garantidoras da ordem social em favor da moralidade pública e mantenedoras de um sistema jurídico justo e funcional, ao qual o próprio apóstolo Paulo recorreu. Com erros e acertos, desequilíbrio devido à condição ignorante, imatura e recalcitrante dos pagãos e do domínio do princípio da carne por sobre eles, as condições da vida pública gentílica carregavam algumas qualidades louváveis e notáveis, que ainda davam uma tônica geral de civilidade e que garantiam a predominância de um tipo humano civilizado, regido por princípios aprovados, ainda que este convivesse com a inescapável e atemporal parcela de vadios, criminosos e perversos. Contrasta-se o acima descrito com exceções grotescas de povos antigos que se corromperam por completo, Estado e Religião, e passaram a promover formalmente a imoralidade e a perversidade, ao ponto do contágio geral, tal como é o caso dos cananitas, aos quais Deus deu alguns séculos, de Abraão até Moisés, para que piorassem substancialmente em suas inclinações demoníacas, até ao enchimento dos Cálices da Ira do Senhor e o imperativo de serem extirpados por inteiro da face da Terra — esses eram povos, nota-se, regados à pr0st1tu1çã0 ritual e sacrifício humano, que são abominações contrárias aos Preceitos Noáquicos. Por esse motivo, Sodoma e Gomorra foram afundadas sob fogo e sal e postas de imediato no mais profundo do Inferno.
O que se deve compreender, portanto, da doutrina escatológica paulina é que a condição abominável que dava a estrutura e a tônica da vida cívica e política de apenas alguns povos do Tempo da Ignorância, e que os levou à aniquilação completa sob Juízo de Deus, como foi também no Dilúvio, deixaria de ser uma exceção e se tornaria a regra, ou o padrão dos homens na sua vida pública e na ordem de seus governos. Toda a lista de perversidades de 1 Timóteo 3 descreve, consequentemente, não comportamentos apenas privados, mas públicos, notórios e gerais, como modos de vida tornados habituais e já não mais constrangedores, repugnáveis e dignos da espada do Estado. Para que isso se faça nesses termos, é necessário que o próprio Estado se corrompa e perca sua legitimidade, já não mais sendo justo — pelo contrário: tornando-se ele mesmo, desde suas instituições, um promotor da perversão e de todas as abominações. Paralelamente, deve ser corrompida a Religião, porque estamos falando de uma maldade que se constrói da rejeição frontal da Verdade através de sofismas diabólicos, que misturem a Verdade com a Mentira, anulando aquela em favor desta, para dar legitimidade pública, ou uma espécie de “unção” formal — “aparência de piedade” -, aos mais tenebrosos desvios. Sob o governo de ideologias e de outras doutrinas de demônios, as potestades serão corruptoras e corromperão toda a humanidade, como Babilônia, ou a Pr0st1tut4 do Apocalipse. Nesse ínterim, da maldade chegando aos seus limites possíveis, aquilo que o Senhor fez com Sodoma e Gomorra, com os antediluvianos e com os cananitas, será feito ao Mundo inteiro.
Textos de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicados em meu perfil pessoal do facebook em 22 de janeiro de 2024.