O Pilar de Jacó e a Montanha Sagrada
Jacó, o Anjo Sandalfon e a Pedra Angular
Se Metatron foi divisado pela tradição judaica como o Patriarca Celeste, um grande monarca nos Céus ao lado de Deus, Jacó o foi como o Patriarca Terrestre, o grande príncipe dentre os homens, porque dele veio não apenas toda a Israel, mas também foi ele quem estabeleceu a Pedra Fundamental do Templo de Sião — em conformidade com o que me dizem Bin Gorion (As Lendas do Povo Judeu) e Yisrael Ariel (O Templo Sagrado de Jerusalém). As experiências de Jacó com a Visão da Escala e no Monte Moriá são altamente instigantes e balizam algumas tradições que transparecem no Novo Testamento.
A primeira delas tem relação com a associação que a Mulher Samaritana faz entre a oferta de Cristo da Água Viva e a figura do patriarca Jacó, uma vez que conversavam diante do Poço de Jacó (Jo 4:1–26), porque é dito por Gorion que um dos sinais específicos que acompanhavam os Patriarcas era a presença de poços os esperando onde quer que fossem — bastava-lhes apenas revolver a terra três vezes que a água jorrava. Foi assim que Isaque procedeu: revolveu o solo três vezes e fez brotar uma fonte — isso é dito a respeito do poço de Seba, por ele aberto em Berseba. Esse mesmo poço teria sido achado sete vezes (Ber — Poço, Seba — Sete), e é aquele que jorra de Jerusalém com “Água Viva”. Note-se como o mesmo sinal acompanha Moisés, com o caso exemplar da abertura de uma fonte pelo toque da vara na Rocha do Sinai (Êx 17:5–6 — tal Rocha é Cristo: 1 Co 10:4).
… o patriarca apanhou as doze pedras que constituíam o altar sobre o qual Isaque, seu pai, fora deitado…
Este poço milagroso precedeu Jacó durante dois dias entre Berseba e o Monte Moriá, quando ele partiu aos setenta e sete anos da casa de Isaque. Em Moriá, o patriarca apanhou as doze pedras que constituíam o altar sobre o qual Isaque, seu pai, fora deitado por Abraão como holocausto e passou uma por uma sob a cabeça, e isto foi um sinal de que dele brotariam, um dia, as Doze Tribos. Então as doze pedras se transformaram em uma só, porque das Doze Tribos da sua descendência formariam um só povo.
Noutra linha, Jacó partiu de Berseba na direção de Harã e, no meio do percurso, “chegou a um lugar”, o que tradicionalmente significa: encontrou o Senhor. A lenda impõe detalhes que são desconhecidos do relato de Gênesis 28:10–22: encontrando o Lugar (“Makom”), foi obrigado por Deus a parar, como se a terra tivesse se erguido adiante como um muro, e o Senhor antecipou o pôr do Sol para poder encontrar-Se com ele em hora silenciosa — aquela da “viração do dia” (Gn 3:8). Jacó, então, apanhou três pedras, dizendo: “Deus uniu o seu Nome ao nome de Abraão, uniu o seu Nome ao nome de Isaque; se agora estar três pedras se fundirem, sei que Ele também me permitirá compartilhar dessa graça.” (Gorion, p. 194). De fato, as três pedras de fundiram em uma só — isto é: derreteram como cera diante do Fogo de Deus, lançado do Céu. Das pedras que Jacó recolhera fez, pois, travesseiro e caiu em profundo sono. Foi ali que o Senhor falou com ele.
… derreteram como cera diante do Fogo de Deus, lançado do Céu.
No sonho, o patriarca teve a Visão de uma escada que ia da Terra ao Céu, larga como oito mil milhas, porque os anjos de Deus, que subiam e desciam por ela, se alinhavam aos quartetos, cada um com duas mil milhas de largura — tão largos “quanto a cidade de Társis” (p. 194). Subiam e olhavam para o semblante d’Aquele que estava no Céu, desciam e olhavam para o semblante daquele que estava na Terra. Foi quando os anjos conheceram Israel, aquele sobre o qual estava o Senhor e sobre quem falavam em seus louvores a Deus, na Eternidade: “Louvado seja o Senhor, Deus de Israel!”
Tão logo Jacó chegou a Bet-El, os anjos que o haviam acompanhado, seguiram para as alturas e falaram às outras hostes: Quereis ver o homem, em cujo nome enaltecemos o Senhor? Descei e olhei, ei-lo! Os anjos então desceram e viram a imagem daquele que está estampado no trono da glória. E todos entoaram um louvor e bradaram: Louvado seja o Senhor, o Deus de Israel.
- Gorion, p. 195
Durante a Visão, o Senhor mostrara a Jacó como o príncipe de Babel caiu no degrau setenta, como o príncipe da Média caiu no degrau cinquenta e dois e como Edom, que subiu até perder-se de vista, também viria a cair. E foi mostrando outros, aqueles que subiam e aqueles que desciam: como Elias subiu na tormenta, como Jonas desceu às profundezas das montanhas, como Coré desceu ao Abismo. A Escada era a Casa de Deus, o Seu Santuário, e o seu cimo, nos Céus, eram os sacrifícios cujo aroma chega ao Trono. Os anjos eram os sacerdotes e cada um exercia suas funções, subindo e descendo os degraus do Altar, e o Senhor estava no Alto, sobre o Altar — eis, pois, como a Escada, chamada Casa de Deus, era o Altar, com sua escadaria, e a própria Montanha Sagrada, ou o Monte Santo Celestial. Por isso é também dito que a Escada era o Monte Sinai, Montanha Sagrada e arquétipo do Altar do Templo, “e seu cimo, que tocava o céu, era o fogo que chamejava até o alto” (p. 195). Os anjos na Escada eram, nesta tradição, Moisés e Arão. Numa outra, a Escada é interpretada como sendo um anjo que cravava os pés na Terra e ostentava a cabeça no Céu — esse anjo é a gigantesca roda Sandalfon e sustenta acima de si os Animais Sagrados (Querubins) que estão na base do Trono de Deus. Temos aqui um indício de qual seja o anjo que o profeta João de Patmos viu em Apocalipse 10, que é o mesmo que Ezequiel conhecera:
E vi os seres viventes; e eis que havia uma roda sobre a terra junto aos seres viventes, uma para cada um dos quatro rostos. O aspecto das rodas, e a obra delas, era como a cor de berilo; e as quatro tinham uma mesma semelhança; e o seu aspecto, e a sua obra, era como se estivera uma roda no meio de outra roda.
Andando elas, andavam pelos seus quatro lados; não se viravam quando andavam. E os seus aros eram tão altos, que faziam medo; e estas quatro tinham as suas cambotas cheias de olhos ao redor.
- Ezequiel 1:15–18
A aproximação entre a Visão de Jacó e o Templo de Salomão é ainda mais encurtada: a Escada brotava de Berseba e se inclinava na direção do Templo — embora outros digam que subia do Templo, ou de Sião, e inclinava para Bet-El, se projetando verticalmente a uma altura de dezoito milhas, que é a altura em que está o Templo Celestial. Segundo Yisrael Ariel, repercutindo a supracitada tradição segundo a qual Jacó parara em Moriá, o patriarca teve a Visão diretamente de Sião, sendo esta uma Visão de como ali teria lugar o Templo de Salomão — a escada que ele vira era a própria escada do Templo e os anjos eram os próprios sacerdotes. Isto é assim porque, segundo ele, a Bet-El onde Jacó dormira, “Bet-El” significando “Casa de Deus”, deve ter sido onde factualmente Deus firmara Sua Casa entre os homens. Desse modo, a pedra que Jacó tomara por travesseiro, a mesma que ele ungira após a Visão, é a mesma Pedra Angular do Santuário de Jerusalém — veremos um pouco mais abaixo. Importa, de todas as interpretações, que, ao fim e ao cabo, por meio do símbolo da Escada cósmica Jacó conheceu o Mistério da comunicação entre os Mundos — o Celeste e o Terrestre, e de como transcorre a economia entre as coisas celestiais e as coisas terrenas.
Na linha da dormição de Jacó em Moriá, articulando duas narrativas anteriores, Jacó recolhera “algumas das pedras do Lugar” (Gorion, p. 196) e as tomou por travesseiro, acordando pela manhã com elas todas fundidas numa só — em Gênesis 28:11 é dito “das pedras” e em Gênesis 28:18 fala-se “da pedra”, a qual ele levantou, pondo como coluna de YHWH, e ungiu com óleo. O símbolo da fusão das pedras foi dado a Jacó como indicativo da promessa de Deus: “O Senhor juntou toda a terra de Israel e a colocou sob a cabeça de Jacó, para que um dia fosse facilmente conquistada pelos seus filhos.” — Gorion, p. 196. Que se remeta aqui à história das Doze Pedras do Altar de Abraão em Moriá, descrita anteriormente.
O óleo da unção desceu diretamente do Céu…
A pedra que Jacó ergueu, pô-la como marco no meio do lugar, isto é: no cume de Moriá. O óleo da unção, conforme esta tradição, desceu diretamente do Céu sobre a pedra, abençoando-a como marco eterno. Em seguida, o Senhor deitou o pé direito sobre a pedra e a afundou até o fundo do Abismo, a estabelecendo como o Pedestal da Terra — de fato, uma outra tradição afirma que a Terra inicialmente cambaleava sobre três pilares, oscilando no Vazio e sobre o Oceano Primevo até ter sido estabilizada pela Pedra Angular do Templo, que é o Pedestal do Mundo. Gorion descreve essa pedra como o “umbigo do mundo”, o marco inicial da Criação, desde o qual a Terra se estendeu — como vimos noutra ocasião, esse é o simbolismo mesmo da Montanha Sagrada, além de corresponder à ideia de que o Éden, o início do Mundo, estava sobre Sião. De onde brotou a Escadaria, no cume de Moriá, ergueu Jacó a Pedra Angular e, ungindo-a, declarou que aquela era a Casa de Deus (Gn 28:17–19), afirmativa que, segundo Gorion e Ariel, pretendeu dizer: “Esta pedra que cravei como marco tornar-se-á uma casa de Deus” (Gorion, p. 196) — desde ela, a Pedra Angular, o Templo seria projetado.
Da Pedra Angular, ou Fundamental, é falado ser originalmente feita de fogo, de vento e de água, os três elementos transformados em pedra. E como a base do Marco ou Pilar jaz no fundo do Abismo, dele eventualmente jorra a água que enche os Ínferos, sendo dela também a Água Viva que brota de Sião, a fonte de Giom, que dará na cisterna sagrada de Siloé. No Tanque de Siloé os peregrinos se purificavam antes da subida ao Templo e de suas escadarias, analogamente ao percurso seguido por Jacó de Berseba até Sião, guiado pela fonte que jorrava do Santo Monte. Na ocasião da Festa das Colheitas o sacerdote ia até Siloé com um jarro de ouro para dela retirar a Água Viva, a ser depositada no Mar de Bronze que estava próximo do Altar do Templo. As qualidades genesíacas e curativas da Água Viva de Siloé transparecem na passagem de João 9:1–12.
Ela é posta, portanto, como Pedestal da Terra, mas também como Pilar do Firmamento…
Os sábios, todavia, asseveram que a Pedra Angular não foi feita por Jacó, pois era ela o princípio da Terra e já estava em Sião quando Deus criou o Mundo. O que ocorreu com Jacó foi a unção da Pedra Angular como Casa de Deus e princípio do Santuário Terrestre, ora feita Axis Mundi, Pedra Fundamental do Mundo Superior e do Mundo Inferior — o nexo entre os Três Mundos, atados por ela à Terra. Ela é posta, portanto, como Pedestal da Terra, mas também como Pilar do Firmamento, conservando o canal entre o Céu e a Terra aberto pela Escada — ou Sandalfon, o anjo-pilar, sustentador da base do Trono de Deus.
Às vezes o nome ‘Ewen’, pedra, é pronunciado como nome de Deus, ‘Adonai’. A pedra é o pilar fundamental do mundo, e tudo o que existe na terra, nela se apoia.
- Gorion, p. 196… e há forte suspeita de que não se tratava, originalmente, do rei de Tiro [Ez 28:1–19]. ‘Tiro’, ‘tsor’, é escrito da mesma forma que ‘tsur’, o arquétipo entalhado no santo dos santos. — […] nas escrituras hebraicas o termo ‘tsur’ tem sido frequentemente obscurecido porque as mesmas letras formam o termo ‘rocha’. […] ‘Porventura existe um Deus, ‘eloah, fora de mim? Não existe outra ‘Rocha’, eu não conheço nenhuma’ (Is 44:8).
- Barker, Introdução ao Misticismo do Templo, pp. 226 e 202
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 29 de agosto de 2024.