A Subida do Monte Santo como Símbolo da Vida Cristã
E estudos no simbolismo cosmológico do Purgatório
A posição cosmológica da Montanha Sagrada enquanto ponte entre a Terra e o Céu me parece ser o pressuposto ou o motivo primevo de como posteriormente se convencionou pensar o Purgatório na cosmologia medieval.
Sabe-se que, na mundivisão cristã do medievo, o Purgatório era considerado um Monte. Como geralmente ocorre nas culturas e civilizações maduras, esta visão do Purgatório fora consolidada na grande literatura poética de Dante, n’A Divina Comédia — veja como Homero e Hesíodo o fizeram entre os gregos e como o Javista, que convenciona-se chamar Moisés, o fez entre os judeus. Os impactos das visões de Dante, arrastando para dentro de si as reminiscências cosmológicas clássicas, conservadas e cristianizadas entre os doutores medievais — a Grande Tradição -, estes em diálogo com o folclórico — a Pequena Tradição -, se estenderam pelos séculos subsequentes. A Queda de Satanás é ali divisada como incidindo contra a Terra de um lado, penetrando até os Ínferos e lançando para o lado inverso todo o montante de “matéria” deslocado do Interior do Mundo. O Abismo descensional é o próprio Inferno e a massa projetada no outro lado da Terra, mais especificamente no Polo Sul, é o Monte Purgatório. Quer-se com isso imaginar o Monte Purgatório como um avesso do Abismo, feito de seu mesmo substrato. Neste cenário, todo o Hemisfério Sul era feito de água, do Oceano Primordial, no meio do qual se levantava o imenso Monte, de cujo cume se desdobrava o Paraíso. O Axis Mundi arquetípico, a expressão imaginária extrema da Montanha Sagrada, da qual as demais eram éctipos, por assim dizer, como o Sinai era um éctipo do verdadeiro Monte, o Moriá (Bin Gorion — As Lendas do Povo Judeu):
Como é que o monte Sinai foi parar no deserto de Sinai? Inicialmente fazia parte do monte Moriá, sobre o qual Isaac deveria ser sacrificado. O Senhor falou: O monte, no qual ocorreu tal fato com o patriarca, é bom para que sobre ele os filhos dos filhos recebam a Lei. Assim uma parte do Moria foi separada, como o fermento da massa, e transferido para o deserto.
- p. 292
Isto era de tal modo crido, que quando Colombo, durante a sua terceira viagem, atingiu a costa norte da América do Sul, na região entre Trinidad e o continente, ao perceber que havia uma quantidade notável da água doce do Orinoco misturada à água salgada, supôs que a água doce vinha de um dos rios do Paraíso, descido das encostas do Monte Purgatório — porque a Água Doce (masculina) era associada ao Firmamento, enquanto a Água Salgada (feminina), ao Mar. Aqui há, nota-se, o cruzamento dos motivos do Monte Primordial, o primeiro a emergir do Oceano no advento da Criação, sobre o qual cresce o paradisíaco jardim edênico, irrigado das Águas Vivas do Abismo, e insta o Templo-Palácio divino, porque o topo do Monte Primordial, sobre o qual, e descendo pelas encostas, estava o Paraíso, já se localiza no Céu. Razão pela qual o Éden, tendo o Homem caído, não ter deixado de existir, mas tradicionalmente ter sido ocultado para fora do alcance de qualquer mortal (Robert Graves — O Livro do Gênesis):
No Terceiro Céu fica o Jardim do Éden, cheio de maravilhosas árvores frutíferas, incluindo a Árvore da Vida, sob a qual Deus descansa sempre que vem em visita. Dois rios nascem do Éden: um flui com leite e mel, o outro com vinho e azeite; eles se ramificam em quatro cabeças, descem e cercam a Terra.
- p. 29
De fato, os sábios judeus muito discorreram sobre a localização do Éden, sendo uma das hipóteses a sua radicação na Montanha de Deus. Uma lenda diz que um dos reis de Judá, tendo decidido buscar o Paraíso, subiu no Monte Lebiá e pôde ouvir, do topo, o som do Espadas Rodopiantes do outro lado de um rio. Ele enviou muitos dos seus cortesãos para lá, mas eles nunca voltaram. O Querubim A Chama de Espadas Rodopiantes é aquele que foi posto por Deus para guardar o Jardim, impondo uma barreira de Fogo em seus portões. Uma outra lenda conta a história da viagem de Moisés ao Éden, carregado por Shamshiel, o anjo guardião do Paraíso, onde lhe mostrou os setenta tronos de ouro puro e de joias que foram preparados para os Justos, e Abraão estava sentado no mais nobre e alto de todos. É importante a conexão entre Abraão e o Paraíso, como sendo ele um senhor no Éden, porque é assim que o encontramos na parábola do Rico e do Lázaro (Lc 16:19–31), certamente baseada em elementos do imaginário palestiniano popular da época.
Uma lenda mais instigante fala da viagem do rabino Iehoshua ben Levi ao Éden. Chegada a hora de sua morte, sendo ele já mui velho, Deus enviou o Anjo da Morte ao seu encontro. O rabino, então, pediu ao anjo, como último desejo, que lhe desse a visão do lugar a ele reservado no Paraíso, o que lhe foi concedido. Mas, como noutras visões, esta demandaria uma viagem até lá, motivo pelo qual o rabino pediu ao anjo a posse de sua espada, porque temia “morrer de medo”. Chegaram, então, ao Muro do Paraíso, para que dele o homem visse o seu recinto, mas ele pulou do muro para dentro. Por sua santidade, lhe foi permitido ficar lá, mesmo tendo tomado o Jardim de assalto. Guiado por Elias, Iehoshua foi conduzido ao ponto mais profundo do Éden, onde viu Deus entronizado e cercado de treze Justos. Em seu diálogo com o Senhor, o rabino soube a razão de nunca ter visto um Arco-Íris em sua vida, pois era desnecessário a ele, “autenticamente piedoso”, ser lembrado da promessa de Deus ao patriarca Noé. Segue-se a esse momento a ordem de Gamaliel para que Iehoshua fizesse o inventário do Paraíso, principalmente para saber se nele já havia algum gentio, e se no Inferno poderia jazer um israelita. O inventário segue através das “moradas celestes” (Jo 14:2), feitas cada qual de metais, pedras preciosas e madeiras nobres e ligada a um dos Patriarcas ou filhos de Jacó.
… o seu atingimento deveria ser, então, por vias etéreas, espirituais e visionárias, em corpo ou fora do corpo…
Já vimos como o deslocamento da Montanha Sagrada é concebível no imaginário judeu, sendo ela eminentemente espiritual. Naturalmente, com a Queda de Adão, o Éden, na Montanha de Deus, fora reposicionado mais para longe da Terra. Por essa razão, não fora alcançado pelas águas do Dilúvio, e não por outro motivo está ele ligado à imagem do Arco-Íris — não apenas por ter estado acima do Dilúvio, que evidentemente não poderia invadir o Terceiro Céu, mas porque o seu atingimento deveria ser, então, por vias etéreas, espirituais e visionárias, em corpo ou fora do corpo (2 Co 12:3). A Visão da Escada de Jacó, tradicionalmente alocada no topo do Moriá, já vimos conter o simbolismo da Montanha Sagrada, razão pela qual se aproxima, também, da imagem do Arco-Íris. Entre os germanos, e Wagner o expressou bem na sua famosa ópera, os deuses se afastam da Terra e sobem aos Palácios Celestiais pelo caminho do Arco-Íris.
Com o símbolo da escada, a qual, estamos embaixo, alcançava o céu com a outra extremidade, foi mostrado a Jacó como os mundos são interligados.
- Gorion, p. 195
Sobre a descida dos rios doces, de Água Viva, desde o topo do Monte em direção aos Quatro Cantos, tão ricamente indicada em Gênesis 2, há um interessantíssimo conto judeu segundo o qual a Pedra Fundamental de Sião, sobre a qual repousara Jacó e fora erguido o Templo de Salomão, e sobre a qual estivera depositada a Arca da Aliança, atinge os Abismos, servindo de canal para as águas ínferas, que eclodem nas fontes do Moriá, além de verter de si mesma os fluxos que mantém os Pilares da Terra cheios. Ela está igualmente associada à Rocha que Deus, intentando realizar a Criação, usou para tapar a “boca” do Submundo, para que suas águas não varressem a Terra — nesta Rocha estariam inscritos os quarenta e dois sinais do Nome. Das suas lascas se formaram as Pedras, ou Pilares, através das quais correm os rios abissais, e elas circunscrevem as três partes do Inferno, porque são os Três Pilares da Terra — por isso a Terra só foi firmada com Jacó e o afundamento da Pedra Fundamental de Moriá, que é o Pedestal do Mundo. Conta-se, noutra lenda, que Davi, quando escavava as fundações do Templo, moveu a Rocha de lugar e o Abismo começou a irromper suas águas para a superfície, e que ele, com salmos, reposicionou a Rocha em uma altura ideal para que a Terra fosse irrigada, mas não inundada.
E o Senhor colocou a terra sobre a pedra fundamental, da qual tudo emanou e que depois ficou no Santuário, e este é o umbigo do mundo. Desta pedra lascaram-se as pedras que ficam nos abismos […] e são os pilares do mundo.
- Gorion, p. 11
Vê-se aqui todo o simbolismo da Montanha Sagrada como o Monte Primordial. Neste caso e como já apregoamos, Moriá. Uma outra lasca de Moriá, de seu cume, foi retirada e posta no deserto de Sinai, estabelecendo o monte Horebe, em cuja teofania exóquica se pôde ver o Altar (Harel — Montanha de Deus) em proporções cósmicas e arquetípicas, contendo sua subida e o seu topo chamejante (Ariel — Leão de Deus), impregnado de fumaças — o que indica que o próprio Altar do Tabernáculo e do Templo era um Montículo Primordial -, como se vê em Gorion:
Uma escada estava sobre a terra. Era a casa de Deus, e seu cimo, que alcançava o céu, eram os sacrifícios cujo aroma chega até o alto […]
A escada [de Jacó] era o monte Sinai, e seu cimo, que tocava o céu, era o fogo que chamejava até o alto.
- p. 195
Neste sentido, a subida de Moisés pela encosta do Sinai, repercutindo a subida do sacerdote pela escadaria do Altar, foi uma subida pela Montanha Sagrada em um sentido também místico, porque em seu cume Moisés teve a experiência visionária. Aqui temos uma repetição do motivo arcaico das ascensões visionárias dos xamãs pela Montanha Sagrada, a qual inclui a Árvore do Mundo, simbolizada, em certos casos, por um pilar com sete degraus, aos quais o xamã escalava como sinal de sua subida espiritual pelo e para o reino dos espíritos. Não raros xamãs, eremitas e místicos subiam pelas literais encostas do Monte Santo, fazendo-o como sinal do intenso sacrifício pessoal, simbolizado pelo esforço e pelos riscos da subida, demandado pelo proponente à experiência de iluminação espiritual, a ser fermentada na alma ao longo das estações da própria subida. Durante essa subida, o asceta, em missão sagrada, ia se desprendendo gradualmente das prisões materiais ligadas ao mundo cotidiano, das preocupações e dos afazeres profanos, sendo, por conseguinte, purificado a cada passo. Em termos cosmológicos, essa subida imita a viagem astral da alma do morto pelas Sete Esferas Celestes, ligadas aos Sete Planetas clássicos, como sendo Sete Degraus, cada qual, ao ser transcendido, indicativo da perda de um dos sete elementos sublunares, isto é: terrestres, outrora constituintes do pesado corpo do homem vivo, até o atingimento do Empíreo.
Isso implica nos perigos relativos à escalada de Moisés pelo Sinai, atravessando o cordão de isolamento disposto aos pés da Montanha e impeditivo do acesso a ela pela Congregação do Êxodo — pois quem tocasse na Montanha seria fulminado -, e a sua penetração solitária no meio da Nuvem Escura — pois os sacerdotes puderam chegar até um ponto, Aarão até outro e Moisés, enfim, sozinho até o Topo. Note-se: o Sinai trepidava em tremores violentos, cuspia labaredas e estava recoberto de uma espessa fumaça relampejante (Êx 19:12–19):
E, subindo Moisés ao monte, a nuvem cobriu o monte. E a glória do Senhor repousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o cobriu por seis dias; e ao sétimo dia chamou a Moisés do meio da nuvem.
E o parecer da glória do Senhor era como um fogo consumidor no cume do monte, aos olhos dos filhos de Israel. E Moisés entrou no meio da nuvem, depois que subiu ao monte; e Moisés esteve no monte quarenta dias e quarenta noites.
- Êxodo 24:15–18No sexto dia do mês de Siwan o Senhor revelou-se ao povo de Israel no monte Sinai. Mas o monte foi mudado de seu lugar e seu cume penetrava no céu ; uma nuvem envolvia o monte e o Senhor estava sentado em cima no seu trono, os pés apoiados na nuvem, conforme está descrito no Livro dos Salmos com as palavras: ‘Ele inclinou o céu e desceu, e a escuridão estava sob seus pés’.
Moisés estava com os pés sobre o monte, mas seu corpo estava no céu, que o cercava como uma tenda. Olhou ao redor e viu tudo o que acontecia lá em vima, e o Senhor falou com ele como um amigo, face a face.
- Gorion, p. 295
A descrição de como a Escuridão do Sinai era indicativa da iminente presença de Deus no topo do Monte é altamente sugestiva. A proximidade da Glória do Senhor é invariavelmente divisada, na Escritura, como acompanhada de um espesso véu de fumaça, ela mesma uma evidência da imanência da Glória, como o era nos incensos que impregnavam o Santo, assim como o próprio Véu do Santuário, guardador do Santíssimo, o lócus do Trono de Deus. Uma das funções dos Querubins, sustentadores do Trono do Senhor na Montanha de Deus, é a circunscrição de um limite, de uma Sombra guardadora da Glória do Criador. Ezequiel 28:14 atribui ao Querubim o papel de cobrir (cakak) a Glória, termo hebraico aplicado em Jó 40:22 para a sombra projetada por uma árvore e que protege o que está sob ela e, em Lamentações 3:44, para o ato de esconder e ocultar. Por conseguinte, quanto mais próximo está o Senhor, neste caso, tanto mais escuridão haverá, impondo toda uma gama de ameaças correspondentes ao limiar da presença de Deus, de maneira que a subida pelo Sinai tempestuoso e fumegante compreendia uma jornada repleta de perigos de qualidade numinosa e espiritual (Êx 19:12), como perigosíssima era a própria Visão da face do Senhor (Êx 33:20) — experiência essa que, uma vez concluída, não pôde ficar sem deixar marcas até mesmo visíveis em Moisés (Êx 34:29–30).
A proximidade da Glória do Senhor é invariavelmente divisada, na Escritura, como acompanhada de um espesso véu de fumaça…
Fato é que o Sinai, enquanto Montanha Sagrada e em teofania, é visto como escada ou elo entre a Terra e o Céu, de maneira que a travessia para dentro de sua circunscrição já era uma saída do mundo terrestre e uma incursão para dentro do reino espiritual. Por esse motivo, uma das lendas judaicas descreve como Moisés, ainda enquanto pastor dos rebanhos de seu sogro, percebera que nenhum animal conseguia se aproximar do Sinai, nem mesmo pelo ar — nenhuma criatura do nosso mundo pode adentrar na esfera do supranatural. O que implica na prototransfiguração de Moisés após o cumprimento da totalidade da experiência e na percepção de que que a permissão divina para que ele subisse pela encosta do Sinai foi como uma viagem ao Céu, esta certamente em corpo (2 Co 12:3).
A tenebrosidade da extensão vertical da Montanha Sagrada, com as nuvens escuras que escondem o seu cume luminoso e sobre as quais o Senhor descansa Seus pés, é aproximada das trevas do Abismo, e em um sentido que é muito similar à imagem dantesca do Monte Purgatório como uma subida feita da substância dos Ínferos. A tradição judaica trabalha ricamente com os símbolos da Subida e da Descida. Para a Visão da Escada de Jacó, uma das histórias fala sobre como o patriarca pôde vislumbrar, dela, a Subida de Elias na Carruagem de Fogo e a Descida de Jonas até os Pilares da Terra, três dias na barriga do Grande Peixe. Há, de fato, uma passagem do Targum que evoca conjuntamente a Descida de Moisés do Sinai e a Subida de Jonas do Abismo, ambos regressados à Superfície — a nota da Bíblia de Jerusalém para Romanos 10:6–7 aplica esse Targum ao texto paulino:
Mas a justiça que é pela fé diz assim: Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu? (isto é, a trazer do alto a Cristo). Ou: Quem descerá ao abismo? (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo).
Importa, aqui, a aproximação dos motivos da Montanha e do Abismo, os quais vimos se tocando diversas vezes neste estudo. Nos ritos iniciáticos primitivos, pois, os dois movimentos eram análogos: o aspirante descia pelas cavernas e labirintos, onde seria testado, e retornava à luz da superfície como um “novo nascido”, dotado de nova sabedoria e de nova função, e o mesmo ocorria com o aspirante que devia subir pelas ladeiras do Monte Santo, com todos os seus perigos, para por elas descer transformado. Neste ponto, as escuridões do Abismo e do Monte Santo são ambas iluminadoras — quer dizer: a Morada do Divino poderá ser encontrada imediatamente após as regiões limítrofes da Terra, como dirá o salmista (Salmo 139):
Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mão, e a tua destra me susterá. Se eu digo: as trevas, com efeito, me encobrirão, e a luz ao redor de mim se fará noite, até as próprias trevas não te serão escuras: as trevas e a luz são a mesma coisa.
É com base no salmo acima que nos primeiros meses do ano passado eu pude argumentar que a descida de Jonas ao Abismo foi como a sua subida pela Montanha Sagrada, inspirado na sua oração em Jonas 2 e nas tradições judaicas catalogadas por Bin Gorion a esse respeito.
A maior sombra e as provações vistas por Dante na sua subida pelo Monte Purgatório são análogas à escuridão do Sinai…
O eixo central de nosso argumento, após toda essa exposição, é a de que o Purgatório deve ter buscado, na sua formulação histórica e enquanto parte da cosmologia medieval, elementos que já estão presentes no motivo judaico da Montanha Sagrada, e do Abismo, portanto. A maior sombra e as provações vistas por Dante na sua subida pelo Monte Purgatório são análogas à escuridão do Sinai e aos sofrimentos catárticos e purificadores envolvidos na subida da Montanha Santa, para que se chegue espiritualmente preparado às Portas do Paraíso, que são de um Fogo que prova a verdadeira constituição daquele que diante delas chega.
Esta elaboração não se propõe, de maneira alguma, a fazer uma apologia da doutrina do Purgatório, mas apenas a expor um pano de fundo imagético, primitivo e tradicional, ou cosmológico, que acabou sendo assimilado por ela. Não se ignore, todavia, a importância de um tal cabedal de apelos simbólicos, porque a escalada da encosta da Montanha Sagrada é uma metáfora, e isso assim foi reconhecido pelos sábios de todos os tempos, da jornada de nossa vida neste mundo — vide São João da Cruz e a sua Noite Escura da Alma. Os cristãos medievais entenderam-no muitíssimo bem, por isso transformavam os estágios da Via Dolorosa, da subida de Cristo pelo Calvário, como um símbolo arquetípico para a caminhada terrestre do filho de Deus, que é um imitador de Jesus, tendo Ele mesmo nos convidado a carregarmos nossas cruzes, cada qual a sua própria.
E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. Porque, qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas qualquer que, por amor de mim, perder a sua vida, a salvará.
Porque, que aproveita ao homem granjear o mundo todo, perdendo-se ou prejudicando-se a si mesmo?
- Lucas 9:23–25
Texto de minha autoria (como os demais deste canal) originalmente publicado em meu perfil pessoal do facebook em 30 de setembro de 2024.